Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça-chave no mercado predatório de barbatanas
Nosso país foi um dos primeiros a proibir o finning, prática onde as nadadeiras são removidas e os animais muitas vezes devolvidos vivos e mutilados ao mar. Porém, hoje nos tornamos o principal comprador do que oficialmente é a parte mais lucrativa desse comércio
Reportagem de André Julião publicada originalmente no Jornal da Unesp com participação da Sea Shepherd Brasil.
Os brasileiros não têm tradição em consumir sopa de barbatana de tubarão, mas desempenham um papel central para o risco de extinção que, infelizmente, aflige muitas espécies desse predador marinho. Depois que a maioria das nações proibiu a prática do finning — na qual os animais têm suas barbatanas cortadas fora e são jogados de volta ao mar, por vezes ainda vivos — nosso país se tornou o destino preferencial da carne do animal, vendida aqui com o nome genérico de “cação”. Curiosamente, o Brasil foi um dos primeiros países a proibir o finning, ainda em 1998.
Embora tenha ganhado má fama por conta de filmes como “Tubarão”, de 1975, e pelos raros episódios de ataques a humanos registrados, os tubarões exercem um papel fundamental na cadeia alimentar marinha. Eles se alimentam de espécies que poderiam se tornar pragas se não fosse a ação de algum tipo de predador. Além disso, a predação mantêm as populações marinhas saudáveis, ao remover indivíduos senis e doentes. E os tubarões podem até mesmo desempenhar um papel na mitigação das mudanças climáticas, na medida em que servem como estoques de carbono. No entanto, quando os animais são pescados, o carbono termina por retornar à atmosfera.
Há tempos, o consumo de sopa de barbatana e seus maiores adeptos — os chineses — têm sido apontados como a maior ameaça à sobrevivência dos tubarões. Um relatório publicado em 2021 pela ONG WWF, porém, aponta que o mercado de carne de tubarões e raias já supera o de nadadeiras. Mas o documento não investiga o comércio ilegal, tanto da carne como das barbatanas, que se acredita ser na realidade muito maior do que dizem os dados oficiais.
Segundo o relatório, assinado por pesquisadores espanhóis, entre 2012 e 2019 o total movimentado pelo comércio de nadadeiras e carne de tubarões e raias foi de US$ 4.1 bilhões. Desse valor, porém, US$ 1,5 bilhão diz respeito às barbatanas, enquanto US$ 2,6 bilhões se referem à carne de elasmobrânquios, como é conhecido esse grupo de peixes.
O Brasil foi o maior importador de carne de tubarão em volume, tendo recebido 149.484 toneladas entre 2009 e 2019. Nosso maior fornecedor, o Uruguai, exportou 71.750 toneladas de carne de tubarão para cá no período. Líder mundial da exportação do produto, a Espanha nos enviou 30.441 toneladas.
“O declínio das populações de tubarões e raias é um fator que contribui para a deterioração do nosso oceano e é sintomático da sobre-exploração marinha de maneira mais ampla. Para lidar com essa situação antes que seja tarde demais, precisamos de uma melhor compreensão do opaco e complexo comércio global de seus produtos”, destaca o documento.
Diminuição de algumas populações chega a 95%
Inicialmente considerados como pesca incidental por embarcações que estavam oficialmente em busca de pescados de alto valor financeiro, como atum e espadarte, os tubarões passaram a ser o alvo principal de muitas pescarias. Dois fatores foram importantes: a intensificação da pesca oceânica como um todo, que tornou mais raros os peixes ditos “nobres”; e o aumento da demanda pelas barbatanas pelo mercado asiático. No que diz respeito à pesca, porém, os tubarões não podem ser tratados como outros recursos pesqueiros.
“Quando falamos de tubarões e raias, não estamos tratando de um peixe como a maioria das pessoas conhece, como a tainha, a traíra, o lambari ou o robalo, os chamados peixes ósseos. Mas, sim, de um grupo que tem padrões reprodutivos e de tempo de vida muito mais parecidos com os de um mamífero do que com os dos peixes”, explica Otto Bismarck Fazzano Gadig, professor do Câmpus do litoral paulista da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São Vicente, que estuda elasmobrânquios há 30 anos.
Enquanto os peixes ósseos geralmente estão aptos a se reproduzir ainda nos primeiros meses de vida e dão origem a muitos filhotes de uma vez a cada ano, os tubarões e raias vão na contramão. Têm uma relativa baixa produção de descendentes (um filhote a cada dois anos, em média); maturidade sexual relativamente tardia (estão aptos a se reproduzir num tamanho muito próximo do que terão na idade adulta), além de crescimento lento e tempo de vida longo.
É difícil imaginar um futuro promissor para um grupo de animais que tem, todos os anos, cerca de 100 milhões de exemplares retirados do mar. No mundo todo, 36% das 1.200 espécies conhecidas de raias e tubarões são consideradas ameaçadas de extinção, e algumas já sofreram uma diminuição de até 95% em suas populações.
Em um estudo publicado em janeiro de 2021 na revista Nature, um grupo internacional de pesquisadores concluiu que, dos anos 1970 até hoje, a abundância desse grupo de peixes caiu 71%, resultado de um aumento de 18 vezes da atividade pesqueira.
“Para avaliar o estado de conservação de peixes ósseos como sardinha e atum, por exemplo, costumamos usar os chamados modelos de avaliação de estoque. Essa metodologia tem como prerrogativa o chamado rendimento máximo sustentável, onde, teoricamente, é possível explorar determinada parte da população sem causar danos populacionais no futuro”, explica Rodrigo Barreto, único coautor brasileiro do estudo e pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul (CEPSUL), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“Isso não se aplica aos elasmobrânquios, por conta da biologia desse grupo e do papel ecológico que exercem. Seja por conta da demanda comercial, ou pelo simples fato de ocuparem o mesmo espaço de outras espécies de interesse comercial, eles acabam sendo explorados da mesma forma”, diz.
Atualmente, 14 espécies de tubarão e 29 de raias são listadas nos anexos I e II da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), que define aquelas que têm seu comércio proibido ou bastante controlado. O Brasil é signatário da convenção desde 1975.
A legislação brasileira sobre o tema, que data de 2014, lista 54 espécies de tubarões e raias que têm a pesca e comércio proibidos em território nacional. Mas, ainda que continue válida, a portaria tem sido alvo de sucessivos ataques, suspensões e flexibilizações. Para piorar, o Brasil não coleta dados para estatísticas pesqueiras em nível nacional desde 2007.
Nos estados que fazem a contagem do que está sendo pescado e desembarcado – São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina – a resolução taxonômica é considerada baixa. Ou seja, muitas espécies são classificadas simplesmente como “cação” ou outros nomes genéricos. Mas ainda que se soubesse as espécies mais capturadas, o fato é que o brasileiro médio sequer tem ideia de que está comendo tubarão cotidianamente.
Cação é tubarão
O termo “cação” nada mais é do que a forma aportuguesada da palavra espanhola que designa tubarão, “cazón”. Qualquer espécie de tubarão, ou mesmo de raia, pode ser vendida com esse nome. E também pode acontecer que a carne de tubarão seja comercializada sob o nome de alguma espécie de peixe ósseo, por um valor mais caro.
Em uma pesquisa realizada em Curitiba (PR), 61% dos entrevistados afirmaram já ter comido “cação”, mas nunca “tubarão”. Outro levantamento, realizado nas cinco regiões do Brasil e ainda não publicado, realizado pela ONG Sea Shepherd Brasil e pela empresa Blend New Research, mostrou que 69% de 5 mil dos entrevistados não sabiam que “cação” é sinônimo de “tubarão”.
Um relatório produzido por pesquisadores paulistas mostrou ainda que 62% dos peixes vendidos em São Paulo, como badejo, por exemplo, se tratava na verdade de tubarão.
Com a campanha “Cação é Tubarão”, a Sea Shepherd Brasil pretende sensibilizar o público sobre o que acontece com esses peixes e entender as razões para o consumo. No site da iniciativa é possível enviar fotos de cação à venda, indicando o preço e a localização.
“Essas informações serão muito importantes para entendermos se de fato a carne de cação é muito consumida porque é barata, ou se há diferenças regionais nos preços, na preferência do consumidor e nos nomes usados no comércio, por exemplo”, diz Bianca Rangel, cientista da organização, atualmente realizando doutorado sobre a fisiologia de tubarões no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
A campanha inclui ainda a análise de amostras de cação importado para averiguação da espécie e concentração de metais tóxicos, com apoio do Instituto Linha D’Água. Com isso, os ativistas pretendem ter uma leitura detalhada dos diversos problemas relacionados ao tema.
A preocupação com as espécies comercializadas não é à toa. Ainda que muitas tenham a venda permitida no país – o tubarão-azul (Prionace glauca) é oficialmente o mais consumido – o produto fatiado em postas ou em filés pode esconder espécies ameaçadas de extinção.
Quando cita o pescado importado, Rangel se refere a outra peculiaridade que torna o mercado brasileiro mais propício para o consumo de tubarões e raias. Ainda que peixes como raia-viola (Pseudobatos Horkelii), cações-anjo (Squatina gugenheim) e tubarões-martelo ( pertencentes ao gênero Sphyrna ) tenham a pesca e venda proibidas no país, não é vetado importar a carne dessas espécies.
Segundo a Portaria 445, publicada em 2014 pelo Ministério do Meio Ambiente, quem pescar uma das 54 espécies de tubarões e raias que constam na lista de proibições deve devolver o animal ao mar, esteja ele vivo ou morto.
Uma rotulagem apresentando o nome da espécie na embalagem, que poderia dar ao menos a chance de o consumidor fazer uma escolha informada, não é exigida. A legislação brasileira só obriga a rotulagem de pescados importados com o nome da espécie quando se trata de peixes dos grupos do bacalhau e do salmão. Por isso, é comum encontrar em supermercados carne de peixe congelada identificada apenas como “cação”.
O preço atrativo e o fato de ser uma carne branca e sem espinhos são alguns dos fatores que contribuem para a preferência dos brasileiros pelo pescado. Além disso, o fato de nutricionistas recomendarem o consumo de pescados faz com que muitas vezes os cações sejam incorporados inclusive à merenda escolar.
No fim de 2021, a prefeitura de São Paulo abriu licitação para a compra de até 650 toneladas de cação em cubos sem pele para as escolas da rede municipal. Após manifestações da Sea Shepherd Brasil e da Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios (SBEEL), o certame foi cancelado.
O problema do acúmulo de mercúrio
Além da provável presença de espécies ameaçadas nas bancas que oferecem cação, outro problema envolve a presença de contaminantes na carne de predadores como os tubarões. Em uma pesquisa realizada em mercados populares de São Paulo, por exemplo, 54% da carne de tubarão analisada continha níveis de mercúrio em concentrações acima de um miligrama por quilo, máximo considerado aceitável pela legislação brasileira. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda apenas metade dessa concentração.
Um estudo que analisou a carne de tubarão-azul pescado em Itajaí (SC), maior polo pesqueiro do Brasil, mostrou que 21% das amostras tinham o metal em doses acima da recomendação brasileira e 70% além do que estipula a OMS.
Uma vez que organismos aquáticos tendem a absorver e acumular metais em seus tecidos, esses contaminantes passam pela cadeia alimentar, com sua concentração aumentando a cada nível. Predadores do topo da cadeia e de vida longa, como tubarões, mamíferos marinhos e mesmo humanos, acumulam as maiores quantidades.
O Brasil tem regras menos rígidas para a concentração de metais em pescado do que União Europeia, América do Norte e Ásia. Por isso, o mercado nacional torna-se perfeito para o desembarque das carcaças de tubarão que talvez fossem descartadas no mar se não houvesse proibição ao finning.
‘Lavanderia de barbatanas’
A gravidade da situação dos tubarões foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 1998, com o lançamento do Plano Internacional de Ação para Tubarões. No mesmo ano, o Brasil foi um dos primeiros países a proibir o finning, estabelecendo que o peso de barbatanas desembarcadas não poderia ser superior a 5% do peso de tubarões a bordo.
Uma vez que nem todo tubarão tem essa proporção corporal em nadadeiras, em 2012 a norma foi atualizada, estabelecendo que as barbatanas deveriam chegar em terra anexadas ao corpo dos animais. Ou seja, não poderiam ser cortadas em alto-mar.
Ainda que hoje, oficialmente, a carne de tubarão represente um mercado consumidor maior do que o mercado das nadadeiras, não se pode desprezar o papel do comércio destas iguarias para a Ásia, uma vez que muito da atividade ocorre ilegalmente.
Mesmo dentro da legalidade, ao importar grandes quantidades de tubarões sem cabeça e nadadeiras de múltiplas localidades, principalmente de países que também exportam grandes quantidades de barbatanas para a Ásia, o Brasil se tornou uma verdadeira “lavanderia de barbatanas”, segundo Barreto, do CEPSUL.
“Depois de Canadá e Brasil, a proibição do finning foi se expandindo mundialmente, obrigando os barcos a darem uma destinação para as carcaças de tubarão. Por conta de uma série de fatores – incluindo a falta de informação, um aumento do consumo das famílias e os preços atrativos, uma vez que a maior parte do lucro vem das nadadeiras – o Brasil virou um destino e tanto para esse produto, que a maioria dos países não quer”, explica Barreto, que em 2017 publicou um detalhado estudo sobre o problema na revista Marine Policy.
“Todos os países envolvidos na pesca de tubarão para o mercado internacional de nadadeiras, portanto, passaram a exportar a carne para cá. Dessa forma, eles cumprem com a agenda de não descartar o animal no mar e ainda encontram um mercado onde conseguem algum lucro com a carne, ainda que menor do que o advindo das nadadeiras para o mercado asiático”, conta.
O Brasil não consome nadadeiras nem exporta carne de tubarão, e apesar das cerca de 20 mil toneladas oficialmente produzidas anualmente, apenas duas empresas nacionais estão autorizadas a exportar barbatanas. Pelas estatísticas oficiais, 59 toneladas do produto foram vendidas para o exterior em 2011, último ano de que se tem registro. Mas o mercado ilegal provavelmente envia muito mais para fora do país.
Entre 1998 e 2014, apenas operações no Pará e no Rio Grande do Sul resultaram na apreensão de 85 toneladas de barbatanas secas, prontas para serem exportadas ilegalmente. No estudo publicado na Marine Policy, Barreto fez as contas de quantos tubarões teriam sido pescados para produzi-las.
Num cálculo aproximado, considerando que cada barbatana seca pesa o equivalente a 2% da massa dos tubarões, pelo menos 4.250 toneladas desses peixes teriam sido capturados ilegalmente no período, ou 266 toneladas por ano. O cálculo é conservador, visto que a proporção entre o peso corporal e das nadadeiras varia consideravelmente entre as dezenas de espécies que ocorrem no Brasil.
Apenas em 2010, 30 toneladas de barbatanas secas foram apreendidas de duas empresas pesqueiras na região Norte, o correspondente a 1.600 toneladas de tubarão pescadas. “Apenas essa apreensão corresponde a todo o montante de tubarão-azul pescado de forma legal naquele ano”, demonstra Barreto.
Investigação genética
Coibir a pesca ilegal é um dos caminhos apontados para evitar a extinção dos tubarões. Com mais de 8 mil quilômetros de costa e órgãos ambientais cada vez mais sucateados, porém, a fiscalização do que é pescado no Brasil praticamente inexiste. Mesmo quando há apreensões, é difícil identificar se a espécie tem a pesca proibida.
Os tubarões chegam em terra já sem cabeça e nadadeiras. Estas últimas, por sua vez, quando são apreendidas já secas, perdem as características visuais que permitem identificá-las.
Há 25 anos coordenando o Projeto Cação, junto a uma comunidade de pescadores artesanais de Itanhaém, litoral sul de São Paulo, Gadig, da Unesp, tem acompanhado o declínio não só das populações de tubarões e raias, como da própria atividade pesqueira tradicional, solapada pela pesca industrial.
A experiência também permitiu que hoje ele possa identificar mesmo os animais desfigurados apenas pela morfologia. “É difícil, mas não é impossível”, afirma o pesquisador, que já ministrou dezenas de treinamentos para outros estudiosos e agentes de órgãos ambientais.
Identificar as nadadeiras já secas, porém, muitas vezes só é possível por meio da análise de DNA. Nos últimos anos, ferramentas moleculares têm sido aprimoradas para determinar a identidade de espécies por meio do sequenciamento de um pequeno trecho do código genético. As estratégias variam desde o uso do DNA nuclear, do DNA mitocondrial, ou de ambos os genomas.
“É preciso apenas um pequeno fragmento de DNA para poder usar a técnica de PCR, que imita alguns processos da célula e replica aquele trecho por milhões de vezes. Assim, obtém-se material suficiente para comparar diferenças no código genético que delimitam as espécies. Estudos assim já mostraram que muitos tubarões ameaçados de extinção alimentam esse mercado”, explica Rodrigo Domingues, pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), em Santos, que fez doutorado no Instituto de Biociências de Botucatu (IBB) da Unesp.
Em um desses trabalhos que tem o próprio Domingues como coautor, foram analisadas 747 amostras de barbatanas apreendidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Belém (PA), Natal (RN) e Cananeia (SP). Mais de 13 toneladas foram apreendidas nas três operações.
Os pesquisadores constataram que as barbatanas amostradas pertenciam a 20 espécies. Nove delas (cerca de 40%) são listadas em categorias de ameaça pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), enquanto 20% constam também na lista brasileira. Por fim, seis espécies, como tubarão-mako (Isurus oxyrinchus) e tubarão-raposa (Alopias superciliosus), constam no Anexo II da CITES, que limita sua captura e comércio.
Publicado em 2019, o estudo foi o primeiro a avaliar o finning no Atlântico Sudoeste, que banha o Brasil. Pesquisas desse tipo foram incentivadas sobretudo pelo governo de Hong Kong, que passou a sofrer pressões da comunidade internacional por ser um dos maiores importadores e reexportadores de barbatanas, tendo a China continental como principal destino.
Na mesma linha de atuação, desenvolvida durante seu doutorado no IBB-Unesp, Danillo Pinhal, atualmente professor na instituição, confrontou amostras de DNA de tubarões-martelo (Sphyrna lewini) da costa brasileira, do Caribe e do Golfo do México, além dos oceanos Pacífico e Índico, com o encontrado em barbatanas que seriam comercializadas em Hong Kong.
A conclusão foi de que 21% das nadadeiras dessa espécie eram do Atlântico Ocidental, que banha desde a costa leste da América do Norte, passando pelo Caribe e toda a América do Sul. Coordenado por Mahmood Shivji, diretor do Instituto de Pesquisa Guy Harvey, da Universidade Nova Southeastern, na Flórida – onde Pinhal realizou estágio de doutorado –, o estudo foi o primeiro a determinar a origem geográfica de barbatanas usando DNA.
Ainda como resultado dos anos de coleta de material genético de tubarões-martelo por todo o Atlântico Ocidental, Pinhal liderou um trabalho, publicado em 2020, em que determinou a existência de diferentes populações dessa espécie no Atlântico Ocidental, com limitada conectividade genética entre as regiões geográficas amostradas – o que tem consequências importantes para a conservação.
“Não é possível pensar em conservação das espécies em apenas algumas regiões e a pesca ser totalmente descontrolada em outras. É preciso preservar esses diferentes estoques genéticos para que as espécies continuem existindo de forma sustentável”, pondera Pinhal.
Além de conhecer a diversidade genética, os pesquisadores acreditam que as ferramentas moleculares possam ser utilizadas em larga escala para a fiscalização do que é pescado e comercializado. As técnicas já avançaram a ponto de poder detectar material genético de tubarões inclusive em comidas altamente processadas, desde a sopa de barbatana até ração para cachorro e cosméticos.
Além da pesca, desafio é regular o comércio
Nesse contexto de uma diversificação cada vez maior dos usos dos tubarões, os especialistas afirmam que são necessárias não apenas medidas de proteção para esse grupo, como maior e melhor regulação do comércio de seus produtos.
Entre as medidas recomendadas estão desde normativas que incluam a rotulagem em nível de espécie para tubarões e raias importados e para os pescados capturados e comercializados no país, incluindo subprodutos como cosméticos à base de óleo de fígado, cápsulas de cartilagem, entre outros, até a proibição da importação de espécies ameaçadas.
A retomada das estatísticas pesqueiras em nível nacional, o que inclui a volta do programa de observadores de bordo que fiscalizam o que é pescado, extinto em 2012, mais o acompanhamento da atividade em comunidades de pescadores artesanais, são outras medidas apontadas como importantes.
As recomendações incluem ainda a expansão e intensificação de ações de fiscalização, com valorização dos órgãos ambientais, além do estabelecimento de períodos ou de locais fechados para a pesca, incluindo a criação de áreas marinhas protegidas.
A redução da pesca incidental de tubarões, por sua vez, poderia ocorrer com a obrigatoriedade do uso de anzóis circulares, associados a linhas de náilon. O uso do chamado estropo de aço nas pescarias de espinhel impede que os tubarões cortem as linhas com os dentes. Sua proibição reduziria significativamente a captura de tubarões.
“Temos no Brasil massa crítica para produzir conhecimento que poderia ser usado em políticas públicas, como estabelecer medidas de conservação e manejo das espécies, por exemplo. No entanto, e isso não é de agora, não existe interesse político para isso”, conclui Gadig.