Por Gabriel Barcelos *

O jogo desta terça entre Bélgica e França coloca também em confronto os dois maiores jogadores da Copa do Mundo até agora: Lukaku e Mbappé. Ambos são descendentes de famílias originárias de países que foram colonizados, do continente africano.

Mbappé, da seleção francesa, tem ascendência camaronesa por parte de pai (Wilfried Mbappé). O país foi colonizado por alemães no século 19 e dividido entre Reino Unido e França após a Primeira Guerra Mundial. A luta pela libertação do Camarões, comandada pelo grupo UPC (Union of Cameroonian Peoples), custou centenas de milhares de vidas nos anos de 1950. Já sua mãe, Fayza Lamari (ex jogadora de handebol), é originária da Argélia, nação norte-africana também vitimada pela cruel colonização francesa.

O atacante da Bélgica Lukaku, por sua vez, tem origem em família da República do Congo. O país já foi o centro de uma das maiores civilizações da história da humanidade, o Reino do Congo (século 15), com grandes conhecimentos em termos de metalurgia. Posteriormente, enfrentou a colonização belga entre o fim do século 19 e início do 20, uma das mais genocidas da história da humanidade, com mais de 10 milhões de mortes.

Países ricos produziram (e produzem) a morte, a miséria e a guerra entre os países periféricos (especialmente na África, Ásia e América Latina). Mas estes mesmos países centrais estão sendo obrigados a lidar com os fluxos migratórios que originaram, junto a um endurecimento dos discursos racistas, xenófobos e classistas capitaneados pelo pensamento de extrema direita.

É preciso lembrar que em grande parte da história da humanidade foram povos e indivíduos da diáspora (migrantes e imigrantes) os responsáveis por sustentar o trabalho, assim como por grandes avanços nas ciências, nas artes e no pensamento humano como um todo.

Lukaku e Mbappé são, antes de tudo, uma resposta a um mundo atual que quer construir muros, não suportando as contradições geradas pelo próprio modelo excludente e assassino vivido pela humanidade. São feridas abertas, em campo, carregando os símbolos nacionais e mostrando a todas e todos um mundo que muitos preferem apagar da foto.

*Gabriel Barcelos é jornalista, doutor em Multimeios pela Unicamp e autor do blog CineMovimento.