Livro valoriza diversidade linguística e questiona: O que é “falar errado”?
Educação humanizada ainda é grande alvo de ataques da extrema-direita
Por Lara Ximenes Braga dos Santos
Em 2011, o livro “Por uma vida melhor”, foi alvo de ataques por, alegadamente, ensinarem seus alunos a escreverem errado. O livro, aprovado pelo MEC, teve mais de 400 mil cópias distribuídas através do Programa Nacional do Livro Didático.
O trecho polêmico:
“Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro‘?
Claro que pode. Mas fique atento, porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”.
Acusaram o livro de ser contra a lei, de ensinar crianças e adolescentes a falar erroneamente. Pediram a retirada imediata dos livros de circulação. Até o ministro da educação da época, Fernando Haddad, foi questionado sobre a distribuição.
Na realidade, o livro foi elaborado para o ensino da língua portuguesa na Educação de Jovens e Adultos. Enquanto a didática da obra foi aprovada por especialistas do Ministério da Educação, escrita por professores, o questionamento daquele livro foi absurdo. A acusação da época era que “isso é coisa de petistas” que queriam “ensinar a falar errado como o Lula.”
O que incomoda tanto essas pessoas?
Paulo Freire já defendia “Uma escola em que a criança aprenda a sintaxe dominante, mas sem desprezo pela sua (…) Precisamos respeitar a sua sintaxe mostrando que sua linguagem é bonita e gostosa, às vezes é mais bonita que a minha.”
A língua portuguesa é mais que a norma culta. A língua portuguesa é falada por aqueles que nunca tiveram acesso a escola, aqueles que aprenderam sem nenhum livro didático. Aquele livro, dedicado para jovens adultos que estavam estudando no EJA, não fez nada mais que reconhecer suas vivências, sua cultura, seu conhecimento, sua linguagem.
O livro não ensina errado. Não existe errado no português. Existe errado na norma culta, que é ensinada nas páginas do livro que não foram divulgadas pela imprensa da época. O senso comum confunde a língua com a norma culta, e elitiza o português para caber em seus parâmetros.
Se alguém acha que esse tema, que foi discutido a 11 anos, não reflete na atualidade, está enganado. O preconceito linguístico ainda é tema. O ódio a população mais vulnerável ainda se mostra todos os dias. Um exemplo disso foi a fala do derrotado presidente Jair Bolsonaro, relacionando alto desempenho de Lula nas eleições ao analfabetismo no Nordeste, em um ato de desespero de sua campanha. O presidente também já chamou Paulo Freire de “energúmeno”.
A educação humanizada ainda é grande alvo de ataques da extrema-direita. Esse grupo, que defende a norma culta como o ápice da língua, ainda entende o analfabeto como uma pessoa menos inteligente.
Uma pessoa analfabeta, ou seja, não sabe ler ou escrever, tem total capacidade de fazer leitura de mundo. Tem total capacidade de votar com a sua própria consciência. Analfabetismo nunca representou burrice: representa falta de políticas públicas de um governo, como o de Jair Bolsonaro, que extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
Nesse dia da Língua Portuguesa, vamos valorizar todas as variedades linguísticas existentes no nosso enorme país. A linguagem comunica e enriquece, com suas normas cultas ou não.