Lideranças do sul do país chegam para a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas
Mais de 40 mulheres indígenas representando 17 aldeias e Terras Indígenas dos povos Kaingang e Guarani chegam ao encontro inédito.
Fotos e texto por Daniela Huberty / Comin para cobertura da Marcha das Mulheres Indígenas.
Às 7h de quinta-feira (08), um grupo de sete mulheres indígenas da Terra Indígena (TI) Por Fi Ga, localizada em São Leopoldo (RS), se preparava para embarcar no ônibus que, nas próximas horas, atravessaria os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiânia para chegar à capital do país, no Distrito Federal. Logo, as sete indígenas, suas filhas e seus filhos ganhariam a companhia de mais 35 mulheres indígenas do sul do Brasil que foram somando-se ao longo do caminho nas cidades de Porto Alegre, Carazinho, Sarandi, Iraí (RS) e Chapecó (SC). Representando 17 aldeias e Terras Indígenas, o grupo é formado por mulheres indígenas dos povos Kaingang e Guarani.
A viagem de mais de 40 horas, apesar de cansativa, é estimulante: todas essas mulheres vão participar da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, encontro inédito que acontece até o dia 14 de agosto em Brasília. A estimativa é que a marcha reúna duas mil mulheres dos mais diferentes povos de todo o país. Com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, a proposta é realizar um grande encontro de mulheres indígenas com o objetivo de dar visibilidade às suas ações, discutindo questões inerentes às suas diversas realidades, reconhecendo e fortalecendo os seus protagonismos e capacidades na defesa e na garantia dos direitos humanos, em especial o cuidado com a mãe terra, o território, o corpo e o espírito.
Em meio a malas, colchonetes e os mais diversos utensílios, o grupo de mulheres indígenas que partiu rumo ao encontro é a primeira delegação a chegar no local onde será o evento. Enquanto organizam seu espaço de acampamento, afirmam que vieram para mostrar sua voz e o protagonismo das mulheres. “A marcha é importante para mostrar que a mulher indígena tem o mesmo potencial das mulheres de outras culturas e o mesmo potencial dos homens na luta pela igualdade de gênero. Vamos divulgar nossa cultura e nossas demandas”, afirmou Sueli Tomás, Kaingang e técnica em Enfermagem da TI Por Fi Ga. Como Sueli, Luana Kaingang, acadêmica de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acredita que a marcha dará mais visibilidade às mulheres indígenas, ao mesmo tempo em que mostrará o fortalecimento dos povos indígenas. “Mostrar que as mulheres também estão na batalha e na luta para conseguir os nossos territórios”, completou.
Ir a Brasília lutar pelos direitos dos povos indígenas não é novidade para as indígenas Iracema e Talcira, dos povos Kaingang e Guarani respectivamente. Ambas já participaram de diversos eventos em prol da causa indígena na capital federal. Iracema afirma que esses encontros possibilitam a troca de conhecimento entre diferentes povos. “É importante para a mulher conhecer bem o sistema e compartilhar o conhecimento com as outras mulheres. Os homens dizem, às vezes, que estamos discriminando eles, mas eles também tem conhecimento para trocar com outros homens. O que queremos é ter voz e liberdade para isso”, disse orgulhosa ao lembrar que a militância vem de família: sua vó Candinha Fortes sempre lutou em prol das mulheres. Talcira saiu do município de Rio Grande (RS), sul do estado, para viajar. Ela acredita que é seu dever ir a Brasília dar apoio às parentes. “É um momento importante que as mulheres mostram seu talento e sua força”, destacou.
Luta por direitos é constante
Sueli lembra que as pessoas indígenas sempre estão lutando em busca de seus direitos, principalmente em momentos políticos como o que vivemos agora, de retrocessos e violência contra os povos originários. “Nada que ganhamos é de graça. Lutamos pela nossa sobrevivência e para não deixar morrer nossa cultura. E vamos seguir lutando, apesar de todas as dificuldades”, ressaltou. Um dos retrocessos em relação aos povos indígenas e que também será pauta durante os dias da Marcha das Mulheres Indígenas é a questão da saúde.
Kaingang da TI Serrinha, localizada em Ronda Alta (RS), Azelinda Inácio quer tratar, em Brasília, sobre o Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), um dos principais espaços de participação e controle social da política de assistência às comunidades. “A saúde está um caos e nos preocupamos porque somos mães e avós. Gostaríamos que abrisse um espaço para as mulheres participarem do encontro do Condisi para darmos a nossa opinião. Cadê as mulheres conselheiras e delegadas?”, questionou. A cacica da TI Faxinal, município de Água Santa (RS), Ângela Inácio Braga concorda. De acordo com ela, é preciso ter mais participação das mulheres nesses espaços. “A gestão deve ser compartilhada. Nós estamos na base e, por isso, sabemos o que acontece”, disse.
Apoie a Marcha
A realização da Marcha das Mulheres Indígenas foi deliberada durante a Plenária das Mulheres realizada no Acampamento Terra Livre (ATL) em abril deste ano. Desde então, lideranças de todas as regiões do país iniciaram o processo de mobilização e captação de recursos para o evento. O encontro está sendo realizado com recursos próprios das mulheres indígenas, apoio de organizações parceiras e com doações arrecadadas através de uma vaquinha online. Ainda é possível contribuir através do link.
Além da Marcha das Mulheres Indígenas, que será realizada no dia 13 juntamente do Ato Nacional pela Educação, o encontro contará com o Fórum Nacional de Mulheres Indígenas, debates, palestras, seminários, plenárias, oficinas, cerimônias e noites culturais. No dia 14, as mulheres indígenas irão se somar à Marcha das Margaridas, ato que reúne mulheres do campo e da floresta, em uma grande manifestação nacional em prol dos direitos e protagonismo da mulher, a partir de uma visão de desenvolvimento sustentável e de justiça social.