Em 2023, no Brasil, foram registrados 1.161 eventos climáticos atípicos e extremos, segundo dados do Centro Nacional de Desastres Naturais (Cemaden). Milhões de pessoas – em sua maioria, negras – foram afetadas e até hoje seguem tentando reconstruir seus territórios. Neste mesmo ano, mais especificamente no dia 19 de fevereiro, São Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo, estava prestes a enfrentar um dos seus piores dias do ano: foram  640 mm de chuvas caídos em apenas 24h, causando inundações, deslizamentos de terras e mortes de pessoas  que vivem há muito tempo em locais de extrema fragilidade, sem uma ação efetiva e coordenada do poder público e comunidades. Em meio a tragédia, duas lideranças negras na região foram fundamentais para a regeneração de seus territórios: Rosilene de Jesus Santos, a Nega Rose, co-fundadora do movimento União dos Atingidos e Valdemir dos Santos Cruz, o Mestre Val, são atores sociais fundamentais que hoje lutam pela justiça climática.

“Eu, juntamente com mais alguns moradores, fundamos a União dos Atingidos, um movimento que busca fortalecer as famílias que foram atingidas pela tragédia climática no Litoral Norte. Buscamos dar voz à população dentro do seu próprio território, para nos fortalecer de forma democrática e social”, afirma Rosilene. Nega Rose, como é conhecida na região, ex -moradora da Favela da  Rocinha no RJ mora há mais de 30 anos na Vila Sahy. Sempre colaborou com projetos sociais na região e depois da tragédia, vem percorrendo todos os dias os bairros atingidos, conversando com moradores para saber como eles estão e do que necessitam. 

Rose é uma das lideranças apoiadas pelo Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) 01 ano após a tragédia-crime. Com um aporte de R$100 mil mobilizado, o fundo está fazendo o repasse da verba aos movimentos e coletivos socioambientais e lideranças comunitárias que atuam pelo direito à democracia e ao poder de decisão dos moradores. O valor foi arrecadado por meio da campanha “Quanto Vale: pela Reparação, Restauração e Regeneração Socioambiental do Litoral Norte de São Paulo”, conduzida pelo FunBEA.

Mestre Val, capoeirista e líder comunitário na Vila Sahy integra a Amovila- Associação de Moradores da Vila Sahy. Ele é também um dos contemplados pelo aporte do FunBEA e tem participação ativa na regeneração do território. Educador artístico de capoeira Angola, coordena um projeto social que forma cidadãos e vem colaborando nas construções de políticas públicas com objetivo de desenvolver e capacitar novas lideranças. “Um líder comunitário desempenha um papel fundamental na eficaz gestão de uma comunidade, sua presença e ações podem impactar significativamente no desenvolvimento e crescimento de todo território”, ressalta. 

O aporte chegou na hora certa para tais movimentos, que carecem de recursos financeiros e não financeiros para regenerar seus territórios. Mas, para além do recebimento da verba, é preciso entender a importância de um líder comunitário, segundo Mestre Val: “Um líder comunitário ajuda a criar e desenvolver autonomia para igualdade social fortalecendo nossas raízes, origens e identidade e condição de luta”, frisa. 

Rose no ato do Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06/24), no centro de São Sebastião – SP. Foto: Ed Davies.

Sobre as doações

Parte expressiva do valor arrecadado veio por parte da instituição internacional Global Fund Community Foundations, que já apoia o FunBEA desde 2022. O objetivo do FunBEA com a campanha é  trazer a pauta da filantropia comunitária que é um trabalho a ser feito com as comunidades e não para as comunidades, e neste processo atuar com a restauração e regeneração de territórios atingidos por eventos climáticos. Pauta essa que teve grande destaque no Shift The Power em 2023, sediado em Bogotá, na Colômbia, no qual as representantes do fundo acompanharam presencialmente todas as discussões do evento.

Em relação aos processos de seleção para receber o aporte, eles foram construídos de forma participativa pelo Círculo Territorial pela Reparação do LN de SP,  formado por cerca de 20 instituições que atuam no território e contemplaram o mapeamento dos coletivos, movimentos e organizações sociais . Dentre os principais critérios, as instituições contempladas precisavam ser:  um coletivo ou movimento social, envolver a comunidade atingida, possuir histórico de atuação no território e  atuar com prevenção, mitigação, recuperação e/ou regeneração e não trabalhar apenas com ações pontuais.

Com o repasse da campanha, o FunBEA espera fortalecer institucionalmente os coletivos e movimentos contemplados , fortalecer as ações de filantropia comunitária para dar visibilidade ao Círculo de Doação que segue no território. Além de promover a resiliência climática em comunidades de vulnerabilidade social, ambiental e climática e consolidar uma frente multidisciplinar de governança local que fomente ações de regeneração local por meio dos movimentos apoiados e demais instituições pertencentes ao círculo territorial.

Via assessoria