Por Daniele Agapito

O 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro acontece em um momento simbólico, logo após decisões do STF que reafirmam a defesa do Estado Democrático de Direito, nas quais a ministra Cármen Lúcia teve papel fundamental. O festival, que já foi censurado por dois anos durante a ditadura militar, ocupa o palco do Cine Brasília para celebrar a liberdade de expressão e homenagear realizadores que são verdadeiros pilares da cena audiovisual brasileira. Conheça a trajetória de Fernanda Montenegro, Ivana Bentes, Lúcia Murat, Jean-Claude Bernardet e Chico Sant’Anna.

Candango de Conjunto da Obra – Fernanda Montenegro

Fernanda foi a primeira atriz a ganhar o prêmio no Festival de Brasília, em 1965, com seu filme de estreia, A Falecida. Aos 96 anos, segue sendo a grande dama da dramaturgia brasileira e foi a primeira atriz contratada da TV Tupi, em 1951. Ganhou reconhecimento mundial por Central do Brasil, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, perdida para Gwyneth Paltrow em uma decisão, cá entre nós, imperdoável.

Homenageá-la é também reafirmar o elo afetivo entre a atriz e o festival. Seus personagens, sempre mulheres catalisadoras de mudanças, deram corpo às contradições do país e trouxeram para a telona uma cria devota do teatro. No encerramento do festival, Brasília se levantará para aplaudi-la mais uma vez, ainda que, desta vez, ela não possa estar presente.

Medalha Paulo Emílio Salles Gomes – Ivana Bentes

“As imagens são potentes e elas impactam politicamente (…) um dia nós todos seremos apenas imagens, então temos que cuidar do campo das imagens porque é neste campo que está nossa ressurreição e sobrevida”, disse ao receber a medalha no palco.

Pesquisadora, ensaísta, colunista do Mídia NINJA e uma das pensadoras mais afiadas do audiovisual no Brasil, Ivana gosta de lançar provocações quando está diante de um pensamento hegemônico. É responsável por debates que mudaram a forma como enxergamos a produção de imagens no país. Da “cosmética da fome”, que provocou os cineastas e seus discursos, ao impacto das novas mídias, suas ideias seguem tensionando o cinema e suas representações. “Ela não deita!” No palco do Cine Brasília, lembrou dos encontros no Hotel Nacional e disse sentir falta até do cheiro de mofo do lugar. Fez questão de agradecer aos povos originários e usava, no pescoço, um colar guarani.

Prêmio Leila Diniz – Lúcia Murat

“Eu estava numa cela quando tive notícia do falecimento de Leila. Choramos muito. Foi como se a nossa liberdade tivesse acabado novamente”, lembrou Lúcia ao receber o prêmio.

Ex-presa política, brutalmente torturada com pau de arara, eletrochoques e espancamentos, poucos imaginam seu passado traumático ao vê-la sorridente no palco do Cine Brasília, emocionada ao receber o prêmio que leva o nome de sua amiga, a atriz libertária Leila Diniz. No palco, brindou à força feminina e foi ovacionada.

Lúcia transformou a própria dor em cinema. Filmes como Que Bom Te Ver Viva e A Memória Que Me Contam revisitam a ditadura para resgatar histórias de resistência e expor as marcas da violência de Estado.

Homenagem póstuma – Jean-Claude Bernardet

Crítico, teórico, ator e professor, Bernardet (1936–2025) foi peça-chave na formação do pensamento sobre cinema no Brasil. Autor de Brasil em tempo de cinema, influenciou gerações e esteve presente desde os primeiros anos do festival. Esta edição exibe obras em que atuou ou colaborou, celebrando sua entrega radical à linguagem cinematográfica. De origem belga, naturalizou-se brasileiro e ganhou destaque como crítico de cinema no jornal O Estado de S. Paulo.

Prêmio ABCV – Chico Sant’Anna

A ABCV – Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo homenageia, no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o ator Chico Sant’Anna, referência das artes cênicas e do cinema no Distrito Federal. Com mais de 40 anos de carreira, Chico construiu uma trajetória sólida e premiada. Estreou profissionalmente em 1980, ao lado de Bibi Ferreira, em Gota d’Água, e brilhou em montagens como Arlequim e Cru, que lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Teatro do Rio.

No cinema, foi premiado no Festival de Pernambuco por Simples Mortais e recebeu indicação na mesma categoria no Festival de Gramado por O Último Cine Drive-in. Atuou em títulos como O Pastor e o Guerrilheiro, Cano Serrado e Uma Vida em Segredo. Na TV, participou de novelas e minisséries marcantes como Velho Chico, JK, Felizes para Sempre e O Rei do Gado.