Charge: Latuff

“Doria tem razão!”. Com essa frase o (pasmem) Ministro do Desenvolvimento Agrário e Social, Osmar Terra, começou o seu artigo intitulado “Ação da gestão Doria na ‘Cracolândia’ em São Paulo merece elogios”, publicado no último dia 30/07 no portal Poder 360.

Entre as pérolas do ministro que, aparentemente mora no gabinete, está aquela em que afirma: “No coração da maior cidade do Brasil, ocorreu uma mudança emblemática para o país. Acabou a maior das “cracolândias”’. Ora, ou o ministro é cego, ou é mentiroso, ou simplesmente não sabe sobre o que está falando.

Qualquer um que passe pela Av. Rio Branco, no centro de São Paulo, pode constatar com muita facilidade que a Cracolândia não acabou. Inclusive, o próprio Doria voltou atrás nessa mesma afirmação, feita no dia em que iniciou a sua mega ofensiva policial contra usuários de crack, no dia 21 de maio.

Aliás, se não há Cracolândia, por que a Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar continuam indo retirar pertences e reprimir dia sim dia não os usuários de crack da região da Boca do Lixo?

Mas, quem imagina Osmar Terra caminhando como um cidadão comum nas ruas do centro de São Paulo? Não, não mesmo. Chegamos ao contrassenso de um Ministro do Desenvolvimento Social apoiar ações de repressão e higienismo.

Para fundamentar a sua opinião, o Ministro lança mão das mais velhas táticas empregadas no discurso conservador. Diz que a Cracolândia é a ponta de um processo que revela um crescimento “epidêmico” no consumo de drogas, responsável pelo aumento da violência, e que é resultado de “décadas de omissão e “experimentos” mal-sucedidos”.

* (Sobre a “epidemia de Crack”, vale ler entrevista do Dr. Dartiu Xavier)

Agora, vamos aos fatos. É bem verdade a pontuação dele, quando afirma que há omissão e experimentos mal-sucedidos. No entanto, a resposta de Doria ao problema é que, na realidade, representa a continuidade das políticas de drogas amplamente adotadas em São Paulo: internações compulsórias em clínicas desconhecidas, repressão em larga escala e contínua por agentes do estado, seja federal, estadual ou municipal, violações de direitos humanos, retirada de pertences etc.

Políticas públicas que de fato pensem na moradia, trabalho, assistência social e saúde voltado para usuários de crack na cidade de São Paulo são escassas e, aquelas que tentaram atuar dessa maneira, como o De Braços Abertos, Doria tratou de exterminar na primeira oportunidade.

O que Osmar Terra crítica é exatamente o que está elogiando.

No entanto, fiquem atentos. Quando diz “experimentos” entre aspas, o Ministro está se referindo à chamada política de redução de danos, que em seu artigo, Terra chama de “correntes filosóficas, sem base científica”.

Na Cracolândia de São Paulo, a “corrente filosófica sem base científica”, ou seja, redução de danos, foi implantada pela gestão de Fernando Haddad (PT), que foi sucedido por Doria. Os resultados, mensurados por um grupo de pesquisadores da Unicamp em parceria com a ONG Open Society, demonstraram que:

– 84,75% dos usuários diminuíram o consumo de drogas;

– 52,52% retomaram contato com a família;

– 84,66% estão em tratamento médico.

Evidente que se ater somente aos números pode gerar distorções na análise, mas quais os resultados dos programas Redenção, do Doria, e Recomeço, do Alckmin? Há mais de 20 anos que o PSDB comanda o Governo do Estado e foi sob a sua batuta que nasceu a Cracolândia e o PCC, a facção criminosa mais poderosa do país.

Não há avanço algum na política de guerra às drogas adotada pelo Estado e pela Cidade de São Paulo nas gestões tucanas. O que se vê é um crescimento de mais de 200 mil presos nas penitenciárias nos últimos 20 anos, sendo cerca de 1/3 por tráfico de drogas. Quando finalmente em liberdade, faltam empregos e oportunidades, o que explica o porquê de 67% da população da Cracolândia ser de ex-detentos.

Osmar Terra só consegue dar respostas vazias, sem apresentar quaisquer dados que as fundamentam. Ao dizer que a “internação compulsória é necessária nos casos mais graves” porque o crack “age com muita rapidez e intensidade dentro do cérebro” e dessa forma gera o vício, não consegue explicar o porquê até hoje esse método nunca funcionou, sendo que grande maioria dos internados tem recaídas após o tratamento, muitas vezes por não haver qualquer acompanhamento.

Manter usuários presos em clínicas sob forte efeito de medicamentos e depois jogá-los nas ruas é a política de drogas que vai solucionar o problema da Cracolândia?

Fica mais fácil entender o apoio irrestrito observando o histórico de Osmar Terra enquanto deputado federal. Ele é autor do projeto que altera a Lei de Drogas, aumentando de 6 para 8 anos de prisão a pena mínima por tráfico de drogas e facilita o processo para internações compulsórias.

Também apresentou, junto ao deputado Giovani Cherini (PR-RS), projeto que acaba com o regime semiaberto no sistema penitenciário, o que representa atualmente, de acordo com o Infopen de 2014, 15% da população carcerária, cerca de 90 mil detidos. Com a lei, qualquer pessoa condenada a mais de 4 anos cumpre em regime fechado.

“A intervenção na “cracolândia” inicia um novo ciclo de compreensão e ação em defesa dos mais vulneráveis e de proteção a toda sociedade. Parabéns, São Paulo!”, encerra Osmar no seu artigo. Seria cômico se não fosse trágico.

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