A má notícia é que o processo está na mão do Alexandre de Moraes

Às 18h do dia 22 de julho de 2009, dois guardas faziam uma blitz no corredor 3 do CDP de Diadema, em São Paulo. Quando passaram pela cela 21, encontraram no canto esquerdo de uma cama, uma marmitex com um “invólucro de substância aparentemente entorpecente de cor esverdeada”.

Os guardas então perguntaram aos detentos do local de quem era. Os 33 mantiveram-se em silêncio até que Francisco confessou ser o dono, e disse que a droga era para consumo pessoal.

O “invólucro” de 3 gramas foi levado em um “invólucro” de plástico para a 1ª DP de Diadema. Francisco passou a responder a um processo por “Crime de Porte para Uso Pessoal de Drogas, artigo 28 da lei n.11.343/06”.

A substância aparentemente entorpecente deu “positivo para maconha”, com qualidade aprovada pelo Núcleo de Exames de Entorpecentes, que pegou 2 gramas para fazer o teste.

Testemunharam contra Francisco apenas duas pessoas, os policiais que estavam fazendo a blitz. O primeiro deles, Nelson, disse que quando uma situação dessas acontece, é realizado um sorteio entre todos os presos para ver quem assume, mas não sabe se isso aconteceu com o Francisco. Seu parceiro, Renato, disse a mesma coisa.

Francisco então mudou a sua confissão. Disse que a droga na realidade era de uma visita que estava no dia, e quando todo mundo teve que voltar para as celas, ele teve que assumir a culpa.

A Promotora, por sua vez, pediu a condenação com pena de serviços à comunidade. O Defensor Público respondeu alegando a falta de “lesivisidade”, a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas por ofensa à vida privada, e a falta de provas dos guardas, uma vez que não viram o Francisco com a droga.

“Em estabelecimentos prisionais é corrente a prática do laranja, isto é, aquele que assume a prática alheia para, com o perdão da informalidade, livrar a cara do colega”, argumentou o Defensor. Eu diria livrar a própria cara.

Aí veio a Juíza. Disse que a regra do jogo é clara, que a lei de drogas ainda não foi declarada inconstitucional, então que, mesmo que uma pena branda, tem que ter punição “por menor que seja a quantidade de tóxico, evitando-se com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-se traficante ou viciado”.

Ela deu 1 mês e 15 dias de serviços à comunidade como pena, alegando que a ficha corrida do Francisco é grande (e é mesmo) e “uma advertência é muito pouco diante da personalidade do réu” e como era reincidente, aumentou para 2 meses.

A 1 grama que sobrou a Juíza mandou incinerar e o Francisco depois que cumprir sua pena, que provavelmente já acabou, ele vai ter que prestar serviços à comunidade.

O que essa história nos ensina?

Que a Guerra às Drogas é realmente muito bizarra. Por que uma pessoa responde um processo por apenas 3 gramas de maconha? Dentro de uma sela com 33 presos, em um presídio com capacidade para 618 detentos, mas que conta com 1.410, 3g maconha é o grande problema?

Esse caso exemplifica como a proibição das drogas está cercada de contradições, mas é perpetuada pelo sistema judiciário.

A juíza foi ainda mais rigorosa que a promotora, aumentando a pena e apontando o tráfico e o vício como uma consequência natural do consumo de drogas. É uma percepção que está baseada na ignorância e no preconceito, e está sendo produzida por uma juíza de primeira instância, que recebe casos de centenas de pessoas.

Acontece que a defensoria recorreu no processo do Francisco, que chegou ao STF em 2011, e agora debate a despenalização do porte de drogas para consumo pessoal. Em setembro de 2015, o relator do processo, Gilmar Mendes (pasmem), votou pela despenalização do usuário, e teve seu voto seguido por Edson Fachin e Roberto Barros, mas esbarrou em Teori Zavascki, que pediu vista.

Como eu (espero) que vocês lembrem, Teori morreu (ou…). E, em seu lugar, assumiu Alexandre de Moraes, que tem um histórico negativo com maconha:

A despenalização do usuário não é a solução contra a Guerra às Drogas, mas é um passo importante para mudar a política de drogas no Brasil. A brecha na lei que dá ao policial e ao juiz o poder de discriminar quem é traficante e quem é usuário, dá margem ao encarceramento de pessoas por sua cor, que geralmente é negra, e classe social, pobre.

Não podemos esquecer de Rafael Braga, que pegou uma pena de 11 anos por, supostamente, portar 0,6g de maconha e 9,3g de cocaína. Assim como Francisco, os únicos depoentes do processo foram os próprios policiais que o autuaram, e a condenação parece imediata para essas pessoas, negras e pobres, moradores das periferias e, não raro, com o porte forjado.

Infelizmente, esse processo não deve sair tão cedo da gaveta do Jardineiro Paraguaio.

As aspas durante o texto são do próprio processo, que você pode consultar aqui.

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