Por Lilianna Bernartt

Férias, amigos, lindas paisagens e a inevitável, urgente e arrebatadora angústia da análise existencial, decorrente da realidade que insiste em se fazer presente, seja em pensamentos, conversas ou sensações.

A realidade não tira férias.

É daí que parte “La Parle”, coprodução franco-brasileira realizada por Fanny Boldini, Gabriela Boeri (única realizadora brasileira), Kevin Vanstaen e Simon Boulier.

O filme é resultado de uma residência artística – Les Ateliers du Cinemá – promovida pelo cineasta francês Claude Lelouch, vencedor da Palma de Ouro e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Um Homem, Uma Mulher”.  

Sinopse

Fanny, Kevin e Simon vão passar as férias de verão com Gabriela na costa Francesa. Em meio a uma paisagem paradisíaca, todos são tomados por uma onda de reflexões e a partir desse coletivo de férias, passam a se reconhecer e a se entender em suas individualidades.

La Parle, de acordo com a tradição francesa, é uma onda que revira sentimentos e resoluções. E assim também segue a narrativa.

Através de uma premissa simples – um grupo de amigos que decide passar as férias juntos – o filme provoca contrapontos interessantes entre os personagens. Estamos falando da dualidade diária entre o lúdico e o real, entre as possibilidades da nossa realidade versus como ela de fato se apresenta e como lidamos com isso.  “La Parle” trabalha constantemente os contrapontos, de forma fluída e sutil. Tanto na proposta de sua realização como projeto artístico, rústico, quanto à fotografia, que segue a mesma linha. Há uma câmera crua, uma fotografia que aceita as próprias falhas e que por muitas vezes adota um tom documental, o que colabora para o estabelecimento dessa dualidade.

Através de um jantar em que a brasilidade da farofa com banana é apresentada como um ponto de acolhimento e encontro entre amigos que ainda estão absorvidos em suas próprias questões; pelo contraponto entre o que somos em grupo e o que somos individualmente; e pela própria fotografia experimental.

O filme foi quase inteiramente realizado com o uso de Iphones, nos propondo ainda a reflexão acerca de nossa interação com a tecnologia. Em um determinado momento, Simon, que só quer se divertir e aproveitar a beleza da paisagem, se incomoda com o fato de Kevin estar filmando os pássaros que estão na praia. Kevin justifica o ato dizendo: “Se eu tenho uma câmera na mão, por que não filmar? Depois eu vejo o que faço.”

Sem spoilers ou didatismo, o comentário da personagem soa, além da provocação já colocada, como uma própria justificativa crítica do realizador quanto ao seu próprio projeto.

Estamos coexistindo em uma sociedade controlada pela tecnologia, na qual redes sociais ditam vivências a ponto de, ao invés de se aproveitar uma bela paisagem, querermos eternizá-la, num falso sentimento de controle: tanto de nosso ambiente, quanto de nós mesmos perante ele. E o que filme propõe é exatamente a análise da falta de controle, da imprevisibilidade de nossas vidas e como lidamos com essas ondas abruptas de emoções e transformações. Tem os que nadam, os que ficam inertes e boiam e os que se afogam. Mas também tem os que observam o movimento das ondas e embarcam no imprevisível, pegando uns “jacarés”.

Apesar das metáforas que utilizei, concluo dizendo que “La Parle” é um filme artesanal que se aproveita de recursos simples para explorar de forma despretensiosa, uma das coisas mais complexas do universo – o ser humano. Merece seu olhar.

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