María Farfán, conhecida ancestralmente como Kusilla e artisticamente como Maryta de Humahuaca, é uma destacada cantora, compositora e ativista do Povo Nação Omaguaca. Desde os cinco anos, percorreu a província de Jujuy e diversas regiões da Argentina, levando sua música e mensagem a palcos internacionais, especialmente em territórios indígenas de Abya Yala, do Alasca até a Terra do Fogo. Além de sua carreira artística, Kusilla ministra aulas de canto ancestral e participa como palestrante em congressos e seminários sobre cosmovisão andina, direitos indígenas e música.

Em 2023, Kusilla denunciou em uma de suas canções a instauração de uma assembleia constituinte em Jujuy, impulsionada pelo governador de direita Gerardo Morales, sem a devida consulta prévia, livre e informada, conforme determina a Convenção 169 da OIT, ratificada pela Argentina através da Lei 24.071. Essa reforma constitucional, considerada inconstitucional por diversas comunidades indígenas, provocou uma mobilização massiva do povo jujeño e mais de 400 comunidades originárias, dando origem ao Terceiro Malón da Paz. Kusilla participou ativamente de bloqueios de estradas, especialmente na Rota 9 na altura de Purmamarca, e de manifestações em frente ao Supremo Tribunal de Justiça.

“Foi criada uma comissão de investigação com o objetivo de resgatar os relatos daqueles que vivenciaram perseguições, ameaças e até torturas no território de Jujuy. O mais trágico da reforma da Constituição para nós é que ela incide diretamente sobre a água, que é um bem natural insubstituível e não renovável. Há muitas investigações sobre os minerais e tudo o que, de repente, podem extrair de nosso território”, explica a artista sobre os interesses por trás da reforma.

Os protestos em Jujuy se estenderam por mais de quatro meses sem respostas concretas do governo nacional ou do poder judiciário. A reforma constitucional é especialmente preocupante para as comunidades indígenas pois facilita a exploração de recursos naturais. Nesse contexto, foi firmado um acordo com a empresa israelense Mekorot para a gestão da água em Jujuy, o que gerou grande preocupação entre as comunidades locais. “Continuamos insistindo, exigindo o respeito à Convenção 169 e à consulta prévia, livre e informada, e tudo aquilo que se refere à possibilidade de nós, como cidadãos livres dentro de uma suposta democracia — que infelizmente não é o que vivemos hoje na Argentina — podermos falar sem medo de que algo nos aconteça ou a algum de nossos companheiros”, reflete Kusilla.

Diante das ameaças, perseguições e censura sofridas em Jujuy, Kusilla buscou refúgio em Curitiba, no Brasil, graças à intermediação do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel.

“Tenho a sorte de ter amizades e familiares com 90 anos de idade, e eles jamais viveram algo assim. Estamos enfrentando uma crise institucional tremenda, na qual o governo nacional se autoconcedeu poderes absolutos com a cumplicidade de legisladores e senadores. Estamos indo contra a Constituição”, denuncia a artista.

Durante sua estadia no Brasil, Kusilla participou de eventos e projetos de cooperação musical, integrando agendas de direitos humanos, ambientais e de memória histórica. No entanto, ela ainda enfrenta desafios para coordenar apresentações e festivais que lhe permitam continuar com sua missão artística e ativista.

O exílio tem sido uma experiência dolorosa para Kusilla, que destaca a importância de articular os movimentos indígenas do Brasil, Argentina e de toda Abya Yala, com o objetivo de defender os territórios e enfrentar a crise climática e as ameaças extrativistas que impactam as comunidades indígenas em toda a região.

“É necessário que possamos ter alianças concretas, como por exemplo a articulação da COP30 em Belém ou a agenda do Acampamento Terra Livre. Acredito que tudo isso deve finalmente criar um laço que nos permita enxergar nossas nações ancestrais como aquilo que fomos há mais de 500 anos — mas com a nova força do presente — para defender nossas riquezas naturais, nossos territórios e construir outro futuro possível.”