A ocorrência de gestações durante a adolescência é um desafio de saúde pública, que acarreta problemas médicos, emocionais, sociais e econômicos, e isso se torna ainda mais grave na região norte.

As maiores proporções de nascidos vivos de adolescentes são encontradas nas regiões Norte – com 1,54% entre grávidas com idades entre 10 e 14 anos de idade e 23,90% entre 15 e 19 anos – e Nordeste, com 1,17% de 10 a 14 anos e 20,11% de 15 a 19 anos, de acordo com a cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás: Gravidez, Maternidade e Violência Sexual na Adolescência”.

O documento foi elaborado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS, Fiocruz Bahia), junto ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). 

Mais de 18% dos bebês nascidos no Amapá em 2022 foram gerados por mães adolescentes

A cada 12 horas, uma menina menor de 14 anos se torna mãe no Amazonas: 998 partos em que as mães eram crianças, na faixa etária de 10 a 14 anos, ocorreram no estado no ano passado.

Essas gestações são consequências de estupro, já que toda relação sexual com crianças até os 14 anos é estupro de vulnerável, conforme a lei.

Foto: Unicef

Na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, que é a maior maternidade neonatal da região Norte do Brasil, dos mais de 8 mil partos realizados no ano passado, 1.296 foram de jovens de 12 a 18 anos, o que corresponde a 16,1% do total.

No Amapá, 18,5% dos bebês nascidos vivos em 2022 foram gerados por mães de 10 a 19 anos de idade, o que responde a 2.482 meninas que tiveram filhos antes de iniciar a fase adulta.

Para a Organização Mundial de Saúde, a gravidez na adolescência pode ser entendida como aquela que acontece até os 19 anos de idade.

Rondônia e Amapá são os únicos estados do Brasil sem nenhum serviço de aborto previsto em lei

Mesmo tendo direito a interromper a gravidez, nem sempre essas mulheres conseguem. Em Rondônia e no Amapá por exemplo, não há na saúde pública nenhum serviço de aborto previsto em lei. 

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil existem três casos previstos em lei em que a mulher pode realizar aborto: em caso de ter sofrido um estupro, caso o bebê sofra de anencefalia fetal e quando há risco de vida para a pessoa gestante.

Contudo, nenhum dos 108 serviços de interrupção da gravidez nesses casos estão disponíveis nesses dois estados , de acordo com o Boletim Epidemiológico Notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, do Ministério da Saúde. 

Não brancas e pobres são as que mais sofrem

A cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás: Gravidez, Maternidade e Violência Sexual na Adolescência”, tratada no início do texto mostra que, no período analisado pela publicação (2008-2019), a maior parte das adolescentes entre as mulheres que tiveram filhos é encontrada entre indígenas e negras (pardas e pretas), com os menores percentuais entre brancas e asiáticas. 

Diversas razões contribuem para que esse problema ocorra, especialmente na região norte e amazônica, tais como: falta de conhecimento sobre reprodução e acesso a serviços de saúde, baixa escolaridade dos pais, fatores relacionados à raça e classe econômica, a não utilização ou uso inadequado de métodos contraceptivos, consumo de álcool e outras drogas, dentre outros fatores. 

Foto: UNFPA Brasil

Na Ilha do Marajó, por exemplo, já existe uma cultura de gravidez precoce, onde gerações de mulheres estão tendo filhos desde cedo, com iniciação sexual precoce, geralmente em um ambiente doméstico com histórico de violência e abandono.

Casos de pedofilia e exploração sexual são investigados há décadas na região e foram alvo de um inquérito iniciado a pedido da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em 2006.

Um novo estopim ocorreu durante a passagem de Damares Alves pela pasta dos Direitos Humanos, devido à falta de combate aos casos, durante o governo Bolsonaro.

A então ministra – hoje senadora – chegou a dizer que o alto índice de violência sexual se devia ao fato de que “as meninas não usavam calcinhas”  e sugeriu a criação de fábricas de peças íntimas na região. 

Quebrando Ciclos

A redução da gravidez na adolescência, portanto, passa por um esforço multissetorial da sociedade, desde a educação sexual nas escolas, até auxílio psicológico para as famílias e assistência econômica para as mães que necessitar.

Além disso, é preciso encarar a sexualidade dos jovens de forma mais natural, entendo que desejos e dúvidas surgem de forma natural nesta época da vida, e que a educação, o acesso à informação e a métodos contraceptivos são as melhores formas de prevenir que uma gravidez inesperada ocorra, além de prevenir infecções sexualmente transmissíveis.

É necessário portanto uma educação integrada que ajude não somente os adolescentes, mas suas famílias a desenvolverem habilidades socioemocionais para que possam acolher as jovens em caso de gravidez e, programas que possam auxiliar essas pessoas a reintegrar-se a sociedade em caso de maternidade.