Qualquer veículo de comunicação tem lado. E não há nada de errado nisso. O que não é correto é fingir que não tem. A mídia corporativista brasileira sofre de esquizofrenia. Diz uma coisa e faz outra. Bota banca de isentona, professa o equilíbrio no tratamento das notícias, mas direciona a cobertura, veladamente, para a defesa dos seus próprios interesses –os da elite, da qual é parte.

A cobertura do processo de impeachment escancarou o papel de torcida organizada operado pelas grandes corporações da comunicação no país –e as manifestações do último domingo reiteram isso, mesmo tendo sido o fiasco que foram.

O pano de fundo desse adesismo é, notadamente, a eterna disputa pela verba de mídia dos governos –sem a qual, nenhum veículo do “livre mercado” sobrevive. Haverá sempre outros aspectos, claro. Ideológicos, inclusive. Mas entre o que é melhor para o país, o conjunto da população ou o futuro da humanidade e o que vai render mais para o caixa hoje, sempre prevalecerá esta última opção.

O empresário de comunicação é, antes de tudo, um empresário. E seu objetivo é simples, em linha reta: obter lucro –sempre, cada vez maior. O que na selva do MMA capitalista é absolutamente legítimo, naturalmente. Sobretudo quando não se maneja concessão pública –caso das rádios e das TVs, que exploram um bem da nação e deveriam gerar contrapartidas sociais mínimas, em favor do bem comum e do interesse coletivo.

Houve um tempo em que o caminho para o lucro, no negócio da comunicação, era resguardar o que já foi o maior patrimônio de um veículo de mídia: a credibilidade. Mas a nova ordem digital implodiu a lógica que vigorava. E a perda do controle do mercado, com a pulverização das janelas de mídia e a entrada de novos players no universo da circulação da informação, sepultou de vez qualquer pudor e instituiu o faroeste que se tem hoje.

Se há um efeito colateral positivo neste momento, é o fato de que não há mais ingenuidade possível. A transmissão ostensiva das manifestações verde-amarelas “contra a corrupção” durante o processo de impeachment pela Globonews, com flashes permanentes nos principais programas da Globo ao longo de todo o dia, escancarou o engajamento no esforço de levar o maior número possível de pessoas para as ruas e incidir sobre os destinos da política partidária no país.

De outro lado, a invisibilidade flagrante com que se tratou das manifestações contra as reformas do governo temerário neste mesmos veículos (e nas primeiras páginas dos jornais de circulação nacional) acentua o abismo que se abriu entre os interesses corporativos e os da nação.

Não bastasse o jogo de ilusionismo permanente operado pela mídia corporativa, as últimas semanas foram pródigas em achaques à pluralidade de opiniões e ataques à liberdade de expressão.

A suspensão pela (recém-censurada…) Folha de S. Paulo da coluna de Guilherme Boulos, uma das principais lideranças progressistas hoje no país, e a condução coercitiva pela Polícia Federal do blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, mostram com clareza a aliança da mídia corporativista com as instâncias de poder para inibir o contraponto ao teatro de sombras do governo ilegítimo e recrudescer os mecanismos de intimidação.

Num contexto hostil às liberdades democráticas mais básicas como o que se tem, é preciso rever e fortalecer as estratégias de resistência. E não há meios de se fazer isso sem um enfrentamento direto na disputa de narrativas. Pois a resistência mora na mídia independente. E vem ganhando cada vez mais musculatura. É hora, agora, de unir forças, chutar a porta e atuar em bloco.

Fracionada e fragilizada pela falta de um modelo de negócios que lhe dê amparo financeiro, nas regras reafirmativas e excludentes que predominam no mercado publicitário, a mídia livre brasileira segue cumprindo papel fundamental na desconstrução da narrativa golpista. Mas terá de agir de maneira mais estratégica agora.

É hora de se posicionar de outra forma diante da legião de iludidos que embarcaram na campanha da mídia corporativista, agora que começa a cair a ficha da classe média do tiro no pé que veio de brinde junto do golpe.

Sem uma esquerda coesa, com uma pauta mínima comum, unificada, não haveria resistência possível. E o governo temerário, na sua ânsia por demolir direitos no atacado, entregou esse presente de bandeja –cometendo a proeza de romper por um instante com o divisionismo e a autofagia dominantes na oposição.

Pois é hora de acentuar isso, em torno de um grande pacto que possa refletir na mídia independente os esforços de articulação de movimentos sociais amplos como a Frente Brasil Popular. É hora de romper com a dispersão, em nome de uma estratégia de comunicação ousada e assertiva, capaz de tirar a esquerda das cordas, de abrir novos campos de diálogo com os iludidos pelo golpe e de manter e adensar a resistência nas redes e nas ruas.

É hora de unificar a ação em torno de uma plataforma comum do campo progressista, a exemplo do que faz neste momento o Podemos, na Espanha, com o Saltamos: um grande portal capaz de reunir as iniciativas mais marcantes da mídia independente brasileira, para atrair os 54 milhões de eleitores que viram seus votos rasgados e a legião de arrependidos que se deixou seduzir pelo ilusionismo e as cortinas de fumaça dos golpistas.

Hora de oferecer um modelo de negócios mais robusto para cada um desses veículos. E de criar um caminho para que o mercado publicitário se relacione com uma parte expressiva da população que já não se reconhece nos veículos tradicionais, pelo descrédito gerado com o partidarismo velado e a defesa de interesses particulares.

Um portal colaborativo, customizável e responsivo, modular e dinâmico, de gestão coletiva, com decisões compartilhadas, instâncias de participação social, conselho editorial e de administração.

Mídia Ninja, Jornalistas Livres, TVT e outras frentes de batalha fundamentais neste momento já se encantaram com o projeto. Pois a pergunta que não quer calar é: o que falta para que o campo progressista da mídia independente possa juntar forças?

Por um jornalismo que tenha lado, sim, mas se posicione abertamente, com clareza. Em defesa do interesse público.

Quem vamos?