Isolamento geográfico não livra cidades da Amazônia de avanço do coronavírus
Em meio a sua vastidão e características geográficas próprias, a Amazônia conta com dezenas de cidades isoladas, cujos acessos só são possíveis via fluvial ou aérea. Este isolamento, contudo, não é a garantia de proteção efetiva diante do avanço do novo coronavírus pelo país.
Por Fábio Pontes
Em meio a sua vastidão e características geográficas próprias, a Amazônia conta com dezenas de cidades isoladas, cujos acessos só são possíveis via fluvial ou aérea. O Amazonas com sua imensa extensão territorial é um bom exemplo disso, com a maior parte de seus 62 municípios inacessíveis por estradas. As viagens em embarcações que duram dias e semanas são as principais formas de integração social e econômicas entre estas cidades e, destas, com a capital Manaus.
Este isolamento, contudo, não é a garantia de proteção efetiva diante do avanço do novo coronavírus pelo país. O Amazonas é um dos estados com os maiores números de mortes e de pessoas infectadas pelo vírus, situação agravada pela carência de infraestrutura mais básica nesses municípios isolados, incluindo serviço de saúde de qualidade; a falta de leitos de UTI deixa o quadro ainda mais grave diante da necessidade de intubação dos pacientes mais graves.
Aqueles que necessitam de cuidados mais intensivos precisam ser transportados em aeronaves para os hospitais de Manaus, cujas vagas nas UTIs já estão superlotadas. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Amazonas, 48,8% das contaminações estão no interior. O estado tinha até este domingo, 17, 20.328 casos confirmados, com 1,413 vidas perdidas.
Com 22 municípios, o pequeno Acre tem quatro municípios apontados como isolado e de difícil acesso. Jordão, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo e Santa Rosa do Purus. Deles, os dois últimos já têm casos confirmados da Covid-19.
Assim como no Amazonas, estas quatro cidades acreanas isoladas carecem dos serviços públicos mais essenciais, sendo a ausência de unidades hospitalares de baixa ou média complexidade a mais comum. Com o fim do programa Mais Médicos, muitos municípios do interior da Amazônia ficaram sem cobertura médica básica. Mesmo com altos salários propostos pelos governos locais, muitos profissionais se recusam a morar em cidades isoladas no meio da Floresta Amazônica.
Com população estimada em 18.867 pessoas, Marechal Thaumaturgo tem confirmado, até agora, 11 casos da Covid-19. Em Santa Rosa do Purus são duas confirmações. Os dois municípios têm como característica a predominância de indígenas. Em Santa Rosa a maioria é de Huni Kuin (Kaxinawá), seguidos em menor quantidade pelos Madijah (Kulina).
Já em Marechal Thaumaturgo os Ashaninka são maioria. Em 2016 a cidade elegeu seu primeiro prefeito Ashaninka, Isaac Piyãko. Eleito pelo MDB, agora está filiado ao PSD. Outras etnias a morar pelo município são os Arara e também os Huni Kuin. Estes últimos estão espalhados praticamente por todo o Acre, formando a maioria da população indígena acreana. Entre as infecções detectadas não há entre índios.
O registro de casos nestes municípios isolados preocupa não apenas pela falta de estrutura de atender a população no caso de um eventual surto, como também pela possibilidade de o vírus chegar até as aldeias. Em Marechal Thaumaturgo há o registro de transmissão comunitária. Apesar de a maioria dos indígenas cumprir isolamento social nas aldeias, há idas frequentes deles ao centros urbanos para a compra de alimentos ou sacar dinheiro em bancos ou agências lotéricas.
São estas idas às cidades comuns em toda a região que preocupam as autoridades sanitárias indígenas, pois há o risco de eles regressarem para suas comunidades contaminados sem saber, proliferando o vídeo entre os parentes. É o que vem acontecendo no Amazonas, estado com a maior infecção e mortes de indígenas pela Covid-19. Segundo os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o Brasil tem 23 mortes oficiais registradas por Covid-19 entre os povos indígenas, sendo 16 no Amazonas.
O maior registro (11) ocorre nas comunidades do Alto Rio Solimões. O número de casos confirmados em todo o Brasil é de 371. No Acre só há um caso confirmado da doença entre sua população indígena; trata-se de um Huni Kuin, de 25 anos, morador de Santa Rosa do Purus, infectado em Rio Branco, epicentro do coronavírus no estado.
O vírus chegou até Marechal Thaumaturgo por meio de um comerciante que foi a Cruzeiro do Sul comprar mercadoria, e regressou infectado. As duas cidades estão no leito do rio Juruá. Após a confirmação da doença, o prefeito Isaac Piyãko decidiu fechar os portos do município, além da restrição dos voos. A medida também foi adotada pela vizinha Prefeitura de Porto Walter.
A restrição na chegada por vias aérea e fluvial já estava implementada por Jordão, de maioria Huni Kuin. Ambos os municípios não têm casos confirmados. Localizado no Alto Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é o município com a maior população indígena do Brasil, acessível apenas por barco ou avião. Por lá, até ontem, eram 343 casos confirmados, com 12 óbitos; nem todos de índios. O Dsei do Alto Rio Negro registrou duas mortes.
Ao que se vê, o isolamento geográfico e a imensidão da Amazônia não são suficientes para se ficar a salvo do novo coronavírus. A melhor medida mesmo é o isolamento social para se evitar o surto da doença em regiões tão carentes e desassistidas pelo Estado brasileiro. Só assim há alguma chance de sobrevida em meio à pandemia.