Por Jéssica Marcelino

Para quem acompanhou a cerimônia do Oscar no último domingo, conferiu ilustres presenças como a da atriz e modelo ítalo-americana Isabella Rossellini, 72. Isabella concorreu ao Oscar como melhor atriz coadjuvante pelo seu personagem irmã Agnes, no filme Conclave. No entanto, quem levou a estatueta foi Zoe Saldaña, por seu personagem Rita Mora Castro, no longa Emília Pérez, do francês Jacques Audiard. A atriz compareceu com um vestido de veludo azul e um par de brincos que foi de sua mãe, em homenagem a David Lynch e a sua mãe, a atriz Ingrid Bergman.

Laura Dern ao lado de Isabella Rossellini na cerimônia do Oscar.

Isabella foi uma das musas de um dos filmes mais importantes de David Lynch: ‘Veludo azul’. Ao seu lado, estava a atriz Laura Dern, também musa dos trabalhos do mesmo diretor. Isabella Rossellini declara que o cineasta mudou sua vida. Foi durante as filmagens de ‘Veludo azul’ (1986) que ela se envolveu com o diretor. Em sua autobiografia, Rossellini confessa: “Quando David foi embora, fiquei totalmente de coração partido.”

À Die Zeit declarou: “David foi o grande amor da minha vida. E eu acreditava que ele me amava da mesma forma, mas obviamente eu estava enganada. Todos os meus instintos me diziam que éramos um casal feliz, mas não éramos.” Curiosamente, Lynch conheceu Isabella Rossellini em um restaurante e ofereceu a ela o papel de Dorothy Vallens. Inclusive, na ocasião, Lynch chegou a pensar que ela era filha da atriz Ingrid Bergman. E ela realmente era.

Isabella Rossellini no personagem irmã Agnes, em Conclave (2023). Foto Divulgação.

Filha da atriz sueca Ingrid Bergman e do cineasta italiano Roberto Rosselini, Isabella Fiorella Elettra Giovanna Rossellini nasceu em Roma, Itália. Ela cresceu conversando com os pais nas línguas francesa e italiana e até os vinte anos de idade, Isabella não falava inglês. Aos vinte e sete anos, ela se mudou para os Estados Unidos e lá passou grande parte de sua vida, naturalizando-se americana. De sua nova casa, foi correspondente com a RAI Itália.

Isabella tem uma irmã gêmea, Isotta, que seguiu um caminho distinto: Isotta é escritora e já foi professora de literatura italiana na Universidade de Harvard. Porém, Isabella também não permaneceu longe da academia, pois a atriz tem mestrado na área de Etologia e, atualmente, também se dedica ao adestramento de cães-guia. 

Isabella Rossellini e seus cães. Foto: Francesco Lagnese
Isotta, a atriz Ingrid Bergman e Isabella Rossellini. Foto Divulgação

O cinema de David Lynch

O diretor norte-americano David Lynch faleceu este ano e foi um dos homenageados na cerimônia do Oscar. São uma de suas principais obras ‘Twin Peaks’ (1990-1991), ‘Cidade dos sonhos’ (2001), ‘Veludo azul’ (1986), ‘O Homem Elefante’ (1980), ‘Duna’ (1984) e ‘Coração selvagem’ (1990). Lynch deixou um grande legado ao misturar temas, formas e estilos diferentes em seus trabalhos criando, assim, um gênero cinematográfico particular.

Lynch levou para as telas uma espécie de hiper-realismo com a introdução enigmática de luzes e cores, criando um cinema limítrofe com base em contrastes e analogias entre ilusão e realidade, entre sanidade e loucura, mundo interior e mundo exterior, entre o adulto e o pueril. É dentro desses contrastes introduzidos por Lynch que o espectador pode ser levado a um tipo de estranhamento, o das unheimliche, conceito criado por Freud. Esse conceito, quando aplicado à ficção, ele se torna muito mais rico uma vez que o reino da fantasia, no caso o cinematográfico, não tem como pressuposto para sua legitimação uma prova da realidade. Pois na ficção muito daquilo que seria infamiliar não o é se tivesse ocorrido na experiência real. Ao mesmo tempo, de forma paradoxal, na criação literária ou ficcional há muitas possibilidades de se atingir os efeitos do infamiliar que não se aplicam à vida. 

David Lynch. Foto: Divulgação

Em Veludo azul, podemos presenciar um estranhamento referente ao tempo e ao espaço: ao mesmo tempo em que há uma narrativa temporal, essa entra em confronto com uma ambientação de imagens e de sons. É a estética surrealista que ele introduz por meio de elementos contraditórios culminando numa beleza convulsiva: o veludo azul que se confunde com o céu ou a mistura de diversos universos artísticos e estilísticos de épocas diferentes.

Em ‘Veludo azul’, Rossellini era uma cantora de boate que escondia toda sua ousadia atrás da maquiagem. Ela queria que a maquiagem parecesse de boneca, forte e quase como uma máscara. Para a cerimônia do Oscars, em parceria com a Lancôme, Isabella conta que foi uma homenagem ao ‘Veludo Azul’, mas com tons muito mais suaves. Havia um pouco de delineador e sombra azuis, mas não tão fortes quanto em ‘Veludo Azul’. Para os lábios, ela usou o batom L’Absolu Rouge Drama Matte Lipstick da Lancôme na cor Mademoiselle Isabella, que é seu favorito absoluto, declara. Um dos trabalhos mais peculiares  e recentes de Isabella é ‘Green porno’ Bee, disponível na plataforma Mubi, e a série de TV ‘The Loud House’ (2024), onde interpreta a personagem Nonna Viola. 

Kyle MacLachlan e Isabella Rossellini em ‘Veludo azul’ (1986). Foto Laurentiis / DR