Isabelita dos Patins: 5 perguntas para os 50 anos de carreira da folclórica drag do Rio de Janeiro
Conheça Jorge Omar Iglesias, o ator por trás da drag queen Isabelita dos Patins
Por Kaio Phelipe
Com sotaque argentino e um português impecável, Jorge compartilha conosco um pouco do que viveu em seus 74 anos de idade e 50 dando vida a Isabelita dos Patins, figura folclórica do Carnaval do Rio de Janeiro. Jorge nos conta sobre o início da vida artística, planos para o futuro e seu atual projeto: a barraca na Feira de Antiguidades da Praça XV, que acontece todos os sábados e onde fomos entrevistá-lo.
Durante a entrevista, clientes e fãs param diante de sua barraca, muito empolgados com a figura de Jorge, que recebe todos com muita simpatia e sensibilidade. Ao decorrer da conversa, um amigo de longa data também o visita e os dois relembram algumas memórias. Além da diva e do ícone que já conhecemos, Isabelita dos Patins se mostra uma ótima contadora de histórias. Confira a entrevista completa:
Como foi começar a se montar ao lado de grandes personalidades, como Lola Batalhão e Erick Barreto?
Foi magnífico. Lola e Erick foram duas faculdades e me fazem muita falta. Lola sempre me ajudou na maquiagem, o Erick também. Na verdade, ele foi a primeira pessoa que me maquiou, que me deixou bonita. E a primeira vez que me montei foi para ir ao programa da Hebe Camargo, na TV Record. Foi a Mimosa Kerr, também um ator transformista, que fez em mim a maquiagem branca, sempre com a referência de Lola Batalhão.
Quando surgiu a paixão do carioca com a sua personagem, sendo até homenageada no Carnaval pela escola de samba Estação Primeira de Mangueira?
Eu acho que tudo é um sonho que se tornou realidade. Eu me apaixonei pelo Brasil quando ainda tinha 9 anos de idade, através de um cartão postal. Quando fiz 13 anos, arranjei um emprego no consulado do Brasil, na Argentina. Entrei no consulado servindo café e lá trabalhei até aos 21 anos. Já maior de idade e depois de cumprir o serviço militar, pedi uma carta de referência a um cônsul, uma indenização e uma passagem para o Brasil. Ele me deu e assim vim parar aqui. Cheguei no dia 31 de julho de 1970 na Cidade Maravilhosa.
Eu acho que conquistar o que conquistei não é para qualquer um. Primeiro, conseguir esse carinho do povo e devolver na mesma moeda. Tudo o que faço hoje é retribuição ao que o Brasil me deu. O Brasil me deu vida. Sofri muito na Argentina e hoje me sinto a pessoa mais feliz do universo sendo um cidadão carioca honorário, brasileiro naturalizado, embaixador do Rio de Janeiro. Como diz a música, daqui não saio, daqui ninguém me tira.
Como foi se encontrar com Fernando Henrique Cardoso e a repercussão da fotografia em que aparecem juntos?
Costumo dizer que esse beijo foi a loto da minha vida. Mudou a minha existência da água para o vinho. A Isabelita não é uma personagem política, é uma personagem do povo. Mas esse beijo foi a minha loto. Na vida da gente, a gente tem altos e baixos. Naquele ano, em 1993, eu tive uma grande decepção amorosa, um caso que era amigo e depois virou inimigo. Primeiro era meu bem e depois quis meus bens. Essa pessoa me ameaçava com uma peixeira. Consegui, uma vez, arrancar a peixeira dele, fui até a delegacia e, quando voltei, ele disse que não sairia do meu apartamento. Então eu preferi sair e fui para a casa de um amigo. Separei tudo, metade meu, metade dele. Tudo o que era meu e da Isabelita, tranquei em um quarto nessa casa com cinco cadeados. Voltei só depois de um ano e meio. Ele já tinha ido embora, mas foi uma grande tristeza quando cheguei. Não tinha nem o trilho da cortina. Não tinha nada, nada. Mas é o que eu falo: Deus te dá a mão na hora certa e no momento certo.
Dentro do quarto tinha somente o telefone, que tocou pouco tempo depois. Era de uma boate em Copacabana me chamando para trabalhar na noite do ano novo, recebendo os convidados. Falaram que tinham 300 reais para mim. Na minha cabeça, eles estavam me oferecendo três milhões, parecia que eu tinha ficado milionário. Saí da minha casa e fui para a boate ainda cedo, dez horas da noite já estava pronto. Na rua, eu escutava de tudo: linda, maravilhosa, perua, bonita. Aí chegaram alguns amigos meus, o Erick ainda era vivo nessa época e falou: Isabelita, vamos fazer uma aposta, duvido que você tenha coragem de ir até o Copacabana Palace. Era um quarteirão de distância e eu estava como um pavão, toda de pink, deslumbrante. Meus amigos fizeram uma vaquinha e somaram mais 300 reais. Com o dinheiro da boate, 600 reais era um valor muito alto. Fui até o Copacabana Palace e voltei e no caminho encontrei um grupo de adolescentes me gritando. Eram adolescentes e não estavam com maldade.
Naqueles anos o preconceito era gritante, então achei aquilo bonito. Tinha um certo quarteirão em Copacabana que você podia dar pinta, nos outros, não. Eu parei e joguei um beijo para aqueles jovens. Nesse momento, tinha um senhor parado de braços cruzados. Para mim, era um estrangeiro. Nisso, os amigos, a família dele e as pessoas ao redor começaram a gritar para eu dar um beijo nele e a bater palmas. Como que eu ia beijar um homem que nunca tinha visto na minha vida? De repente, vejo um homem com uma máquina fotográfica enorme fazendo sinal para eu beijar. Pedi licença ao senhor, apoiei minhas mãos em seus ombros e quando dei um beijo em seu rosto, do chão brotaram uns vinte fotógrafos. Cada mergulho, um flash! Nunca tinha visto tanta luz. Aí o moço com a câmera virou e perguntou quem eu era. Respondi que sou uma figura folclórica do Carnaval do Rio e retribui a pergunta. Ele me respondeu que eram fotógrafos de todos os lugares do país. Desejei feliz ano novo, eles fizeram a mesma coisa, cumprimentei todo mundo, peguei o dinheiro com os meus amigos, botei no coração e fui trabalhar. No outro dia, saí de Vila Isabel e fui novamente para Copacabana. Quando parei para comprar o jornal, eu estava em todas as capas beijando aquele senhor. As manchetes diziam: A drag queen Isabelita dos Patins beija o ministro da economia Fernando Henrique Cardoso. Você imagina tudo o que eu já passei.
Depois disso, minha vida mudou da água para o vinho. Recebi dezenas de convites para viagens internacionais representando o Rio de Janeiro. Com o dinheiro que ganhei no exterior e nos carnavais de 94 e 95, quando estourou a boca do leão, quitei meu apartamento. A loto de minha vida se chama Fernando Henrique Cardoso.
Novela, documentário, projeto para um bloco de Carnaval… Deu para viver tudo o que gostaria em 50 anos de carreira?
O bloco de Carnaval ainda não é uma realidade. Tive que cancelar antes da estreia. Seria uma forma de agradecer ao Rio de Janeiro e ao Brasil, mas ficou muito corrido com tantos eventos acontecendo… Copa, Réveillon. Então pode ser que venha para os próximos anos. Outras coisas irão acontecer. A gente tem sempre que estar sonhando. Não é porque estou com 74 anos muito bem vividos e curtidos que não irei sonhar. Foi escrito um livro para crianças sobre a Isabelita dos Patins. O título é Isabelita, A Menina dos Patins (Litteris Editora). Então sempre tem algum acontecimento. O que me interessa agora é ver meu pix bem gordinho. Imagine os custos de vida de uma pessoa de 74 anos. Eu me viro nos trinta. Para você ver, eu estou aqui na Praça XV feliz da vida. Já estou há um ano e meio. Vem um trocado daqui, um trocado dali e a gente vai vivendo. Estou gravando o documentário aos poucos. As coisas comigo acontecem aos poucos, mas não deixam de acontecer. Entrego nas mãos de Deus e tenho bons amigos. Não tenho plano de saúde, mas tenho bons amigos.
O que encontramos em sua barraca e em quais outros lugares podemos esbarrar com a Isabelita dos Patins?
Eu me sinto feliz e realizado. Não canto, não dublo, não fumo, não pego o marido de ninguém, mas incomodo. A Isabelita você só encontra na Praça XV. Já vim várias vezes de Isabelita, mas é uma faca de dois gumes. Todo mundo para aqui com o celular, pede para tirar uma selfie, uma foto. Eu até deixo, mas pergunto se a pessoa poderia me ajudar comprando um ímã de geladeira de dois reais. A pessoa diz que não tem, mas chega aqui segurando uma garrafa de cerveja que custou dez reais. Com esse calor, acordar às três da manhã para me maquiar, me montar, já que tudo isso sou eu que faço, não compensa. Tenho grandes amigos, mas faço tudo isso sozinho, cada um tem seu trabalho. Se eu tivesse alguém para ajudar, as despesas seriam maiores, teria salário, almoço, condução e tudo isso é caro. O que você quiser da Isabelita, você encontra aqui na Praça XV todo sábado, das nove da manhã às duas da tarde. Você encontra boneca, ímã de geladeira, o livro, várias canecas, garrafas, as bolsas, que era um sonho que eu tinha e um grande amigo, o estilista Almir França, realizou. É um investimento que estou fazendo. Sempre estou correndo atrás.
As vendas de seus produtos são feitas também através de seu perfil oficial no Instagram.
O pix é feito através de número de telefone: (21) 99661-8932