Indígenas, partidos e entidades vão ao STF contra derrubada de vetos ao marco temporal
Para Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, a decisão do Congresso de derrubar os vetos do presidente “cria novo impasse jurídico e político com desfecho não próximo”
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá protocolar ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o marco temporal, estabelecido com a derrubada dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Congresso ontem (14). A entidade protocolou no final da tarde pedido de audiência com o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.
A Lei 14.701, que trata do reconhecimento, da demarcação, do uso e da gestão de terras indígenas, foi sancionada com vetos pelo presidente Lula em 20 de outubro. Os vetos presidenciais retiravam da legislação artigos baseados na tese do marco temporal das terras indígenas, que entende que os povos originários só teriam direito ao território em que estavam na promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Em setembro, por 9 votos a 2, o STF decidiu que a tese é inconstitucional.
Para Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, a decisão do Congresso de derrubar os vetos do presidente “cria novo impasse jurídico e político com desfecho não próximo”. Em sua avaliação, com a demanda, “vai cair o marco temporal no colo do STF de novo”, e o entrave “não é bom para indígenas e também não é bom para os produtores rurais”. Será a terceira vez que o STF discutirá a tese do marco legal.
Na avaliação do advogado Melillo Dinis, da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a intenção das bancadas que articularam nas duas casas do Congresso Nacional a derrubada dos vetos “é criar imbróglio jurídico e atrasar 42 demarcações de terras indígenas que estavam previstas”.
Além do impasse na Justiça, o advogado teme que, durante a indefinição, ocorram mais casos de violência no campo e invasões de ruralistas em terras que deveriam estar protegidas. “A história do Brasil é a história da violência. Isso é o que temos quando o crime é organizado e o Estado está desorganizado”.
A mesma avaliação tem Luis Ventura Fernández, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Já ficou claro para todos que o marco temporal não existe na Constituição Federal. Ele significa uma declaração de impunidade absoluta a todo o processo de violência e de esbulho dos territórios indígenas. Compromete e inviabiliza a demarcação dos territórios e segurança para os povos”.
Fernández assinala que “a derrubada do veto ao marco temporal é uma afronta aos povos indígenas e ao pacto constitucional de 1988”. Em sua opinião, a votação de hoje “altera de forma ilícita um dispositivo constitucional que acolhe o reconhecimento de um direito fundamental dos povos indígenas, que é o direito originário a seus territórios”.
Votação que estabeleceu o marco temporal
Na tarde de ontem, 53 senadores e 321 deputados apoiaram a derrubada dos vetos em sessão do Congresso, enquanto 19 senadores e 137 deputados votaram para manter a decisão presidencial. Houve ainda uma abstenção entre os deputados, nenhuma entre senadores.
O placar surpreendeu Kleber Karipuna. “Foi uma votação bem expressiva, bem acima do que projetávamos como margem”, disse em tom insatisfeito apontando a necessidade de rever a articulação política para defender os direitos dos indígenas na Câmara dos Deputados e no Senado.