Durante o Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano, realizado no Complexo Cultural da Funarte, indígenas LGBTQIA+ de diversas etnias se uniram em uma demonstração de resistência e reivindicação de direitos. Em uma reunião histórica ocorrida na noite de 24 de abril, ativistas elaboraram e divulgaram um manifesto que ecoa a voz de uma comunidade multifacetada em sua luta pela liberdade e pelo reconhecimento.

Sob o título “Nós somos!”, o manifesto encapsula a essência da conexão profunda entre identidade, terra e luta. Afirma que a liberdade só é verdadeiramente alcançada quando está intrinsecamente ligada à Terra, fonte primordial de vida e de identidade para os povos indígenas.

As palavras proclamadas no manifesto ecoam o sentimento de pertencimento e orgulho de ser LGBTQIA+ indígena, ressaltando a longa trajetória de luta pela soberania dos povos originários. Eles reafirmam que suas identidades transcendem os rótulos impostos pelo colonialismo e pela modernidade ocidental, representando uma consciência profunda de si mesmos, do outro e da Terra.

Ao longo do documento, os ativistas destacam a importância da diversidade cultural e da preservação ambiental, denunciando as desigualdades sociais, raciais, de gênero e de classe que permeiam a sociedade atual. Eles ressaltam a necessidade urgente de resistir às investidas predatórias da mineração desenfreada, do agronegócio e das invasões territoriais que ameaçam suas vidas e culturas.

“Nossa identidade LGBTQIA+ indígena não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio”, declara o manifesto, reiterando a ancestralidade e a resiliência dessas comunidades.

Confira abaixo o manifesto completo:

Nós somos!

A Terra Livre que dá nome ao maior encontro de nossos povos, nos aponta um horizonte de liberdade. Para nós, ser livre sem a Terra não faz o menor sentido.

Se é da Terra que nascem as águas, que brotam as matas, que se fortalecem as raízes, as folhas, as flores, os frutos e toda flora, que se dá abrigo e alimento ao pássaro, ao peixe, a onça, a cabra, e toda fauna… se é da Terra que toda vida emana, é por ela também que nós nos afirmamos LGBTQIA+ Indígenas.

É a partir do horizonte da Terra Livre que nós há 20 anos ocupamos Brasília para reafirmar a soberania de nossos povos. É a agenda do ATL que empurra, há anos, o Estado brasileiro para um sentido de reconhecimento, de acolhimento, de reparação!

As nossas identidades LGBTQIA+ transcendem os sentidos dados pelo colonialismo europeu ou pela modernidade ocidental. Nossas identidades são fruto da transmutação da dor em alegria, do sofrimento em prazer, das perdas em vitórias.

Mais ainda, nossas identidades são a representação de uma consciência de nós sobre nós, de nós sobre o outro, de nós sobre a Terra.

Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil.

Falamos diferentes línguas, temos nossos costumes e modos de vida. Acreditamos em um mundo onde a natureza e seus povos sejam mais valorizados do que o lucro e as violências.

Somos múltiplos e estamos trilhando um caminho de respeito e reconhecimento por nosso corpo na mesma intensidade que por nossos territórios.

Se as desigualdades sociais, raciais, sexuais e de gênero, de classe, e tantas outras formas estruturais de violência, têm na mineração desenfreada, no agronegócio predatório e nas invasões contra nossas terras e culturas, uma aliança formada e articulada para nos aniquilar… cabe a nós, e somente a nós, costurar o outro rumo que o horizonte da Terra Livre deseja apontar!

Nossa identidade LGBTQIA+ INDÍGENA não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira.

O colonialismo, herdeiro presente da colonização de territórios e povos, segue tentando impor um único modelo de vida, baseado em culturas que condenam e criminalizam tudo que lhes é diferente, diverso.

Se as herdeiras da sociedade colonial seguem negando a possibilidade de nossa existência, livre, afetiva, prazerosa, tal qual negam a demarcação de nossos territórios… nós responderemos marchando juntas, somando forças, como um encontro de águas, que de onde nascem parecem frágeis e dóceis, mas que quando se encontram, formam correntezas e oceanos.

Nós acreditamos em um Brasil que é território indígena. As filhas e os filhos desse território se levantam por demarcação. Se levantam por reparação. Se levantam por igualdade na diversidade. As LGBTQIA+ indígenas são parte do projeto de uma sociedade verdadeiramente feliz. A felicidade e a liberdade só serão possíveis se nossas existências também forem respeitadas.

Somos indígenas e LGBTQI+… Nós e a Terra somos LIVRES!