Por Marilda Campbell

O documentário “Incompatível Com a Vida”, da diretora Eliza Capai, e o longa-metragem “Levante”, de Lillah Halla, abordam a temática do direito à interrupção da gravidez a partir de diferentes perspectivas. Mas, em ambas as produções, está presente a defesa da descriminalização do aborto e o direito a um procedimento legal, seguro e gratuito.

No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida em três situações: se é decorrente de estupro, se representar risco à vida da pessoa grávida e se for caso de anencefalia fetal. Apesar da previsão legal, muitos obstáculos são colocados no caminho da pessoa que tem o direito ao aborto.

Em 2020, o caso de uma criança grávida aos 10 anos de idade, que era estuprada desde os seis por um familiar, repercutiu no país. A equipe médica do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam/Ufes) se recusou a realizar o procedimento e a criança precisou viajar do Espirito Santo até Pernambuco para fazer o aborto legal no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam/UPE).

“Incompatível Com a Vida”, que foi exibido na Première Brasil: Mostra O Estado das Coisas, é um registro da gravidez traumática da diretora Eliza Capai ao receber o diagnóstico de que seu feto tinha uma malformação incompatível com a vida fora do útero. Em entrevista à Cine NINJA, ela revela que teve muita sorte de estar em Portugal, onde a interrupção da gravidez é legal.

“Ainda no processo de luto, ao retornar ao Brasil, conversei com outras seis mulheres que passaram por situações parecidas e tomaram decisões muito diferentes sobre o que fazer com sua gravidez. O filme tem a preocupação de não julgar as escolhas dessas mulheres e de compreender esse lugar tão solitário cercado de tristeza e tabus”, afirma Eliza.

O documentário trata com muita delicadeza as histórias dessas mulheres, a relação delas com seus companheiros e familiares; os conceitos de vida, morte e luto, que foram ressignificados; e as dificuldades que algumas delas passaram para interromper a gravidez, mesmo diante do diagnóstico e/ou de uma decisão judicial favorável ao aborto.

“Incompatível Com a Vida” foi premiado nas categorias de Melhor Documentário e de Melhor Montagem na Competição Brasileira: Longas ou Médias-metragens do festival É Tudo Verdade 2023 e está elegível para participar da competição para o Oscar 2024 na categoria de Melhor Documentário de Longa-Metragem. O filme tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros em novembro.

“Levante”, que foi exibido na Première Brasil: Competição Longa-Metragem de Ficção, conta a história de Sofia (Ayomi Domenica), uma adolescente de 17 anos que descobre uma gravidez indesejada às vésperas do campeonato de vôlei decisivo para o seu futuro como atleta. Na tentativa de interromper a gravidez de forma clandestina, ela acaba se tornando alvo de um grupo fundamentalista decidido a detê-la a qualquer custo.

“Levante”. Foto: Divulgação

No Festival do Rio, o longa recebeu o troféu Redentor nas categorias de Melhor Montagem, para Eva Randolph, e de Melhor Direção de Ficção, para Lillah Halla. Em entrevista à Cine NINJA, a diretora conta que a produção de “Levante” teve início em 2018 e sofreu um longo processo de escrita e reescrita diante do cenário político vivido, para Lillah, foi quase como um processo terapêutico.

A cineasta destaca que “as histórias reais de interrupção da gravidez, em geral, são muito solitárias; as pessoas estão muito desamparadas”. No filme, Sofia vive uma situação distinta: o time de vôlei comandado por Sol (Grace Passô) é um microcosmos, no qual a atleta encontra o apoio necessário para enfrentar a violência física e psicológica da qual é vítima.

No Brasil, a criminalização do aborto não impede a sua realização de forma ilegal. Os procedimentos, muitas vezes, são feitos de forma insegura, colocando em risco a saúde e a vida da pessoa grávida. A descriminalização do aborto pode salvar vidas, principalmente de pessoas negras, indígenas e periféricas.

“Levante” também foi premiado em festivais internacionais, como: na 76ª edição do Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio Fipresci de Melhor Filme de Estreia nas mostras paralelas; e o prêmio Abraço de Melhor Longa-Metragem de Ficção no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz 2023. O filme ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros.

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