Imigração no futebol: como os imigrantes ajudaram nações a construírem suas conquistas
O tema da imigração é algo polêmico e sensível nos países europeus, principalmente quando se trata de pessoas vindo de países africanos e asiáticos.
Por Francisco Paulo
O tema da imigração é algo polêmico e sensível nos países europeus, principalmente quando se trata de pessoas vindo de países africanos e asiáticos. Por conta do processo violento de descolonização que muitos países desses continentes passaram, boa parte de sua população decidiu fugir rumo a Europa em busca de sobreviver as guerras. Entretanto, a recepção não foi nada calorosa e esses povos acabaram sendo marginalizados pela população dos países em que chegaram, sofrendo até hoje com muito racismo e intolerância.
Logo, no futebol não seria diferente. O primeiro caso que tomou a mídia foi a equipe da França, campeã da Copa de 98, que tinha em seu time muitos jogadores imigrantes ou descendentes de imigrantes, como o craque daquele torneio, Zinedine Zidane, que é filho de imigrantes argelinos. Antes da competição, parte da população não se via representada por aqueles jogadores, pois não achavam que eram “franceses verdadeiros”.
Contudo, durante o torneio um sentimento de união foi surgindo conforme a equipe avança de fase e se aproximava do título em casa. Após a conquista, o então presidente, Jacques Chirac, deu uma entrevista à revista Paris Match falando sobre o espírito de união criado por aquela equipe.
“Falamos muito sobre união, sobre a face moderna do nosso país oferecida por este time de exceções. Estávamos certos. Claro que todos os problemas não desapareceram de repente e a união é sempre para ser reinventada. Mas gostaria de dizer a todos esses jovens que se reconhecem nesse time tricolor e, agora, multicolorido que cada um, no seu lugar, é um depósito do orgulho da França. Durante um mês inteiro, a indiferença, o individualismo e a solidão deixaram de existir. Em seu lugar havia trocas, calor, comunhão espontânea, sem fronteiras e barreiras, em uma ambição compartilhada. Essa é a principal lição da Copa do Mundo. Uma lição de coração, coragem e fraternidade misturados. Uma França que vence junto.”, disse Jacques, sobre a equipe campeã do mundo.
Apesar das evoluções conquistadas pelo time de 98, a França retrocedeu em muitas políticas e pouco mudou em relação ao tratamento com imigrantes. O segundo título mundial do país, em 2018, reacendeu o debate, já que desta vez a equipe era formada por um número ainda maior de imigrantes. Mesmo assim, nada foi feito.
Ao contrário dos franceses, a seleção italiana historicamente busca por imigrantes para reforçar seu plantel. A prática começou em 1934, quando a Copa do Mundo seria sediada no país, incentivada pelo governo do ditador fascista, Benito Mussolini, que queria ser campeão para ganhar o apoio do povo. Assim, o governo do país usou o orçamento público para atrair jogadores de outras nações que possuíssem alguma raiz italiana. O exemplo mais famoso é do craque Luis Monti, argentino de nascença, ele recebeu uma oferta de 5 mil doláres por mês para ir jogar na Juventus e se naturalizar italiano. Além de Monti, os argentinos Atilio Demaría, Enrique Guaita, Raimundo Orsi e o brasileiro Filó, fizeram parte da equipe campeã mundial.
A prática ficou esquecida por muitas décadas, sendo pouco utiliazada pelos italianos nos títulos de 82 e 2006. Contudo, na década de 2010 os imigrantes voltaram a aparecer, incluindo o grande craque da geração, Mario Balotelli. O centroavante é filho de ganeses, mas foi adotado por Francesco e Silvia Balotelli, um casal de Brescia, e cresceu com a família. Mário só conseguiu sua cidadania italiana aos 18 anos, quando já jogava na base da Internazionale, e por ser um negro jogando na seleção italiana já se pode imaginar o quanto ele sofreu. Hoje, Balotelli não faz mais parte da seleção, mas há o atacante Moise Kean, filho de imigrantes da Costa do Marfim, que passa pelos mesmos percalços que Mario já viveu. Desde as categorias de base, Mario sofreu com cânticos racistas das torcidas rivais, em entrevista ao programa esportivo “Quelli Che Il Calcio” (Aqueles que jogam futebol, em português) ele contou que o racismo italiano é o mais forte que viu no mundo do futebol.
“Na Inglaterra, no nível do futebol, nunca vi nada assim. Na França, não vi muito – mas ninguém é como a Itália. Na Itália, é realmente extremo. O clássico Juve-Inter, quando eu era mais jovem, foi uma catástrofe – emocionalmente, foi um desastre. Eles estavam fazendo esses cânticos (racistas). Não havia motivo, eu não tinha feito nada. Nem para os jogadores, nem para os torcedores. Quando cheguei em casa, perguntei à minha mãe: Por quê? Por que eles estavam fazendo isso? Mas não havia explicação. Eu era criança, acho que eles não entenderam o quanto isso realmente me machucou. Felizmente, tenho uma personalidade forte, mas isso pode realmente destruir uma pessoa.”, contou Mário.
Esse problema não é uma exclusividade dos imigrantes africanos na seleção italiana, o meia Mesut Özil, da seleção alemã, já deu uma forte declaração sobre o preconceito com os filhos de estrangeiros na equipe. “Sou alemão quando ganho e imigrante quando perco”, foi essa a frase emblemática do meia, em entrevista ao site Sportsmail, que deu luz ao debate na Alemanha. Özil é descendente de turcos, mas nasceu e iniciou sua carreira na Alemanha. Porém, ao anunciar aposentadoria do time nacional, o meia alegou sempre ter sofrido com desrespeito dos dirigentes da federação alemã durante sua jornada na seleção.
Özil foi um dos craques da equipe campeã do mundo em 2014, no Brasil, além dele, Jérôme Boateng, descendente de ganeses, foi outro nome crucial para a conquista.
Na Copa do Mundo de 2022, um movimento contrário tem sido observado. Um levantamento do jornalista Jaime Macias, mostrou que, na disputa deste ano, 137 jogadores atuarão por países diferentes dos que nasceram. Curiosamente, as seleções africanas têm em seus elencos uma maioria de jogadores nascidos em outros países. A seleção de Marrocos é a que conta com mais jogadores nascidos fora do país, com 14 no total, sendo quatro nascidos na Holanda, três na França e na Bélgica, dois na Espanha e um no Canadá e na Itália.
Já o país que mais “cedeu” jogadores para outras seleções foi a França, com 38 atletas em 9 equipes diferentes. Desta vez, apenas três brasileiros disputarão o torneio por outro país, são eles Pepe, Otávio e Matheus Nunes, todos da seleção de Portugal.
O papel do imigrantes foi crucial para a construção da história vitoriosa das seleções europeias, tanto no bi-campeonato da Itália, em 1934 e 38, quanto no mais recente título da França, em 2018. Isso acontece não só em Copas do Mundo, já que as duas últimas campeãs da Eurocopa tiveram imigrantes como suas protagonistas. Portugal teve o gol do título marcado pelo atacante Éder, que é nascido em Guiné-Bissau, além do destaque para o brasileiro Pepe que comandou a defesa. Na Itália, em 2021, o brasileiro Jorginho foi eleito o melhor jogador do torneio e foi responsável por converter o pênalti que colocou a equipe na final.
No futebol africano, as últimas campeãs continentais também tiveram presença firme de atletas nascidos em outros locais. Argélia e Senegal foram colonizadas pela França, o que permitiu que seus habitantes partissem rumo ao país europeu sem barreiras linguísticas. Por conta disso, suas seleções contam com muitos atletas nascidos na França, mas filho de pais argelinos ou senegaleses. O nome mais famoso dentre eles é o atacante Riyad Mahrez, do Manchester City, que nasceu em território francês e cresceu no país, mas escolheu jogar pela Argélia, nação onde tem suas raízes.
A imigração está cada vez mais presente nas seleções, tanto africanas quanto europeias e até mesmo americanas. Tudo isso é fruto do processo de colonização europeu, que fez com que quase todos os habitantes dessas regiões tenham alguma ligação com o continente.