Segunda-feira, 08 de novembro, 09h00 (GMT, UTC +0), semana 45, ano 2021. Se inicia a segunda semana da Conferência das Nações Unidas sobre o Câmbio Climático – COP 26. O evento traz à Glasgow, Reino Unido, debates de distintos atores sociais, por vezes antagônicos, que supostamente passam a compor mesas de diálogos para encontrar caminhos comuns para o futuro do planeta. Contudo, em um conjunto de contradições, a 26ª edição da conferência do clima prenuncia ser um evento “pra gringo ver”. 

As perguntas que perpassaram a conferência na primeira semana de evento foram além das ações de neutralizar as emissões de gases nocivos até a metade deste século. Elas dizem respeito ao modelo de relação entre norte e sul global. Quanto estão dispostos os países do norte, com suas corporações, a decrescer suas economias e reduzir os “profits” para  limitar o aquecimento da temperatura média global em 1,5 ̊C? Se a resposta à questão que retoma o dilema entre economia e ecologia tiver como critério os patrocinadores da COP 26, certamente os indicativos serão tristes. As 11 empresas selecionadas como “parceiros principais” COP 26 causam mais poluição de gases com efeito de estufa a nível mundial em 2020 (350 milhões de toneladas) do que a que foi produzida em comparação à Colômbia, Peru, Venezuela e Chile, que somados emitiram 390M toneladas em 2019. As contradições se ampliam quando incluindo um olhar para as relações laborais, o ambiente e os direitos humanos do atual modelo econômico extrativo. 

As falsas soluções climáticas parecem nortear o debate oficial do evento, também caracterizado como uma das mais intransparentes COPs – os diálogos que constroem os acordos se detém a Estados Governos, sem uma livre participação da sociedade civil. A plataforma online do evento também apresentou instabilidade e dificultou o seguimento e os espaços internos da conferência foram organizados para um diálogo entre iguais. Na mesma direção da opacidade das discussões, decisões históricas são tomadas sem uma participação direta dos principais interlocutores, como no caso do fundo de financiamento climático de 1,7 bilhões destinado aos povos indígenas. 

Em eventos paralelos à COP 26, como no Tribunal Internacional do Direito da Natureza, Naniwa Huni Kuin, indígena no Acre, Brasil, chamou atenção para as iniciativas “tomadas para nós sem nós”. “São eventos que debatem soluções sem levar em conta os principais protetores da Terra. Parece que a COP 26 virou um evento para decidir o preço do carbono em políticas que continuam promovendo invasões de territórios, como o próprio crédito de carbono”, ressaltou a liderança. A crítica também foi assumida pelo indígena Dinamã Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) durante diálogo no espaço Brasil, na Zona Azul da conferência do clima. “São iniciativas que nos deixam apreensivos por serem, novamente, ações colonizadoras. Países ricos, e principais emissores, debatem ações para os povos indígenas sem uma representação dos povos. O processo se inicia de forma atravessada”, ressaltou o advogado indígena. 

Horizontes pelos povos indígenas e da juventude

Ampliando o horizonte do estreito fatalismo que atua como analgésico das transformações radicais necessárias e da habilidade camaleônica do sistema capitalista, aparecem na COP26 os movimentos sociais, em destaque aqueles liderados pelos povos indígenas. São organizações territoriais que apresentam alternativas para as perspectivas limitadas do capitalismo desde um convívio ressignificado com a natureza, não ultimado pela instrumentalização da vida e dos saberes e seu mecanismo de saque e apropriação neocolonial. 

Os povos tradicionais, hoje escutado pelos movimentos juvenis como Extinction Rebellion, se distanciam das pílulas de analgesia das falsas soluções sustentáveis que formulam readaptações ao sistema que encontra-se na matriz das crises socioambientais que direcionam, se não sucessível a uma mudança radical, um futuro catastrófico. Desde a demodiversidade que integra a criatividade popular para uma transformação social profunda, rompem com o capitalismo “benfeitor” e o “Estado Facilitador” ao defenderem, em uma pluralidade de ações, um modo de vida que se sustenta a margem do sistema hegemônico colonial. O grito contra a mercantilização-financeirização da Natureza vem desde as periferias geográficas, contra as históricas políticas extrativistas que fundaram o capitalismo e a modernidade desde o saque e a apropriação colonial. Hoje, a “maldição dos recursos naturais” paira sobre a América Latina – principalmente para a Amazônia – maquiada de “solução climática”. 

Enquanto líderes globais apostam as últimas fichas no “extrativismos verdes”, “crédito de carbono”, “capitalismo sustentáveis”, “fundos para novos desenvolvimento”, “responsabilidade social empresarial”,  os povos do sul lançam uma urgente e crítica mirada para a “neoliberalização do clima”. Os modos de relação com a natureza, de organizar a sociedade e a economia pelos povos tradicionais, que por séculos foram desqualificados e caracterizados como não evoluídos e insuficientes, hoje são respiros – talvez o único – que orientam caminhos diante a um “ponto de não retorno” que bate a porta da humanidade. São orientações a um “desenvolvimento” às avessas, equitativo e sóbrio que radicalizam e rejeitam as adaptações ao sistema capitalistas que  minimiza a urgência de mudanças estruturais, como o rompimento com o modo de vida imperial que constrói um bem estar “nortenho” e das elites do sul sustentado na crise social – climática.

Os desafios de pensar as questões climáticas também na via da justiça social e ambiental implicam em uma mudança paradigmática que caminha desde as relações interpessoais até a transferência da centralidade da vida humana para a compreensão biocêntrica. É uma nova virada copernicana. Caminhos concretos para combater a crise climática em sua matriz problemática se apresentam pela desmercantilização da Natureza, que perpassa pelo fortalecimento dos controles ambientais, pela demarcação dos territórios indígenas, quilombolas, pesqueiros, e principalmente transição gradual que se afaste uma economia extrativista. São exigências bruscas, mas que só podem sair de uma crise. E, lamentavelmente pelo o que indica a COP 26, são saídas que só podem acontecer via mobilização social. 

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