Grupos masculinistas e o discurso de ódio contra mulheres
Movimentos como “redpill” e “incel” travam guerra contra a igualdade de gênero
Movimentos como “redpill” e “incel” travam guerra contra a igualdade de gênero
Por Stefane Amaro (@steamaroig)
“Quanto mais o feminismo avança e as lutas feministas avançam, mais o movimento masculinista quer acabar com esse direito”. A fala é de Paula Nunes, co-deputada com a Bancada Feminista do PSOL na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), militante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e advogada criminalista. O movimento ao qual ela se refere tem ganhado força na internet, através de influenciadores e coaches de masculinidade, e prega, de muitas formas, a misoginia.
No ano passado, segundo a SaferNet Brasil, instituição com foco na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet, as denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio na rede recebidas pela Central Nacional de Denúncias (CND) do órgão tiveram um crescimento de 67,7% em relação a 2021. Dentre os crimes com maior aumento, aparece a misoginia com um crescimento de 251%.
Para Andressa Teodoro, psicóloga, mestre e doutoranda em Direitos Humanos, “se a gente for procurar uma origem, a gente não vai encontrar. Porque nesses casos, extremamente complexos, a gente não lida com uma causa só, né? A gente lida com uma série de coisas que vão acontecendo e acabam se entrelaçando com isso. Movimentos do tipo sempre existiram, existem há muito tempo”.
Ela explica que, a partir da perspectiva de Judith Butler, “nós somos subjetivados a partir de uma lógica da primazia do masculino: cis, hétero, patriarcal, branco, rico. E todo o resto, o que sobra é o abjeto. Então, o feminino é o abjeto. E aí, se esse feminino ainda tá interceptado, com outras categorias, de raça, classe, sexualidade, territorialidade e por aí vai, essas pessoas habitam o cenário do abjeto e portanto estão passíveis de sofrer inúmeros casos de violência”. Andressa destaca que “enquanto a gente não desestabiliza as normas de gênero, essa socialização continua reproduzindo essa primazia do masculino e consequentemente o lugar do abjeto também”.
CONSERVADORISMO
Apesar de ter diversas causas, a psicóloga destaca o papel da globalização e do desenvolvimento das mídias na reprodução da estrutura social, além da legitimação a partir de lideranças conservadoras e misóginas: “não significa que antes deles não existiam esses movimentos, mas é que eles aparecem e dão cara, nome e performam tudo isso”.
Paula também aponta uma relação entre esses grupos e a ascensão da extrema direita. “A extrema direita não é um movimento que só rejeita a ideia do feminismo ou o que o feminismo historicamente construiu no nosso país. É também um movimento que luta para ocupar esse lugar”. Para ela, isso acontece de duas formas: colocando mulheres ligadas à extrema direita para criar o tipo ideal do que é ser mulher, como a figura de Michelle Bolsonaro – “bela, recatada e do lar, subserviente ao seu marido”, aponta Paula – e propagando ódio às mulheres que fogem desse padrão e desse estereótipo do ser mulher.
A co-deputada destaca a importância de se combater esses grupos misóginos: “muitas vezes a esquerda brasileira cai num erro de dizer que quando coisas desse tipo aparecem, na verdade elas aparecem como uma cortina de fumaça, para esconder outros temas relacionados à extrema direita que seriam mais importantes. Mas eu não, eu acho que uma faceta extremamente grave da extrema direita, do bolsonarismo, é a forma como essa corrente política trata as mulheres e fomenta a ideia das mulheres na nossa sociedade”.
Andressa lembra ainda que “não deixa de ser também uma forma de violência. Parece ser mais sutil, mas não é. É isso aí que legitima as outras violências que a gente está acostumado a ver. O que sustenta esse tipo de violência grotesca são essas microviolências que vão acontecer no dia a dia tais como essas daqui reproduzindo, ganhando adeptos e com isso, ganhando força”.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Para Fayda Belo, advogada especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios, o fato de não haver uma legislação clara de combate à misoginia encoraja movimentos como o masculinismo. “Seja porque o Brasil desde o Império é um país machista e patriarcal que sempre minimizou a violência contra as mulheres, seja porque a maioria dos que compõem desde sempre o sistema de justiça são homens. Logo, não havendo uma legislação específica sobre o tema, encoraja e fomenta essa misoginia sem precedentes que se anote vítima uma mulher a cada dois minutos no país”.
A advogada explica que o Brasil criminaliza a misoginia apenas como qualificadora no crime de homicídio, onde a pena será maior se o motivo da morte for em razão do gênero feminino, ao desprezo, menosprezo de ser a vítima uma mulher (feminicídio). “Apesar disso, esses coaches podem sim responder por outros crimes por induzir e incentivar o ódio e a violência contra mulheres, como, por exemplo, incitação de crime, previsto no artigo 286 do Código Penal, ou também apologia a fato criminoso (287) ao se parabenizar homens que, por exemplo, praticam violência psicológica contra a mulher”, lembra Fayda.
Ela destaca a importância de criminalizar esses comportamentos que incentivam a prática de todo tipo de violência contra as mulheres. Além disso, Fayda fala sobre o papel das plataformas no combate a esses grupos, “o que se vê além da misoginia pura é que esses grupos têm lucrado com a disseminação de ódio contra as mulheres, o que é absurdo demais que se permita”.
No último dia 8, a Bancada Feminista do PSOL pediu ao MPF a investigação de movimentos masculinistas e também garanta que plataformas digitais e redes sociais adotem práticas capazes de inibir conteúdos misóginos.
Fayda lembra ainda do papel da educação no combate à misoginia. “é de extrema importância para colaborar na formação de homens que entendam que a mulher não é um objeto, acessório ou um ‘ser’ subalterno, mas um indivíduo sujeito de direitos como ele e deste modo merece igualmente respeito e uma vida longe de toda e qualquer violência”.