Governo usa interdição de rodovia no Parque de Chapada para fortalecer campanha contra o ICMBio
Governo e aliados têm usado episódio de queda de blocos em paredão no Portão do Inferno para criticar gestão do ICMBio e angariar apoio para estadualização da gestão do parque
Governo e aliados têm usado episódio de queda de blocos em paredão no Portão do Inferno para criticar gestão do ICMBio e angariar apoio para estadualização da gestão do parque
Quem depende da MT-251, que atravessa parte do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães (a 65 km de Cuiabá), atualmente tem de se programar com os constantes fechamentos da rodovia. A situação tem causado transtorno aos viajantes, mas atinge principalmente a população do município que ora perde receita no comércio, ora tem que pagar por preços mais altos nos produtos que demoram a chegar. A restrição de acesso também faz com que o desemprego comece a rondar os negócios do turismo.
Isso ocorre desde a primeira quinzena de dezembro. Em 11 de dezembro, por exemplo, foram registradas duas quedas de bloco consecutivas no paredão da curva do Portão do Inferno – cânion à beira da estrada, que é um ponto turístico. Então, o governo passou a realizar fechamentos parciais e totais, quando nos dias de chuva.
O geólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Caiubi Kuhn explicou ao site Mídia Jur que se trata de um processo natural que ocorre há milhares de anos, desde a formação da região. E em artigo publicado no site Alô Chapada disse que a medida de interdição total não fazia sentido e cobrou que o governo compartilhasse estudos técnicos que fundamentassem suas decisões.
Os ciclos de fechamentos, em especial no período do Natal e Ano Novo, acabaram afugentando turistas.
Campanha contra o ICMBio
O Observatório Socioambiental de Mato Grosso, em carta-aberta à população divulgada no período, considerou que se tratava de “alerta midiático promovido de forma deliberada pelo estado, alimentando na população, o medo de transitar pela estrada”.
Avaliou que seria uma cartada do governo para convencer a opinião pública de que a estadualização do parque era necessária. Ao mesmo tempo, a campanha ganhou reforço com diversas declarações de parlamentares aliados que à imprensa, colocavam o ICMBio como entrave a soluções, despertando a ira em quem não tinha condições de se aprofundar sobre o tema. Então, muita desinformação acirrou os ânimos.
O órgão federal, por sua vez, negou as acusações via notas de atualização sobre os pedidos do governo para realização de intervenções no trecho. Análises e respostas, segundo o ICMBio, foram feitas com a urgência que a situação demandava.
PL da Estadualização
Vale realçar, uma das primeiras investidas do governo com foco na estadualização foi o projeto de Lei 3.649/23 apresentado pela senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), que impõe a transferência da gestão federal para o Estado.
Ainda que a proposta legislativa afronte a Política Nacional do Meio Ambiente e gere graves rupturas ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação o projeto foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Depois que dez senadores assinaram um recurso pedindo que a proposta seja avaliada em plenário, a tramitação na casa foi retomada.
O foco da Carta Aberta elaborada pelo observatório formado por organizações ambientalistas era, principalmente, o de desaprovar a tentativa de vilanização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é responsável pela gestão do parque, e de relembrar que se trata “de uma longa história” que é “farta de omissões do próprio governo estadual”.
O Observatório lembrou que “desde 2008, quando o desmoronamento de uma rocha dentro do parque nacional provocou a morte de uma pessoa, a resolução 08/2008 do Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Mato Grosso (Cetran-MT) proíbe o tráfego de veículos pesados na estrada”. O trânsito de veículos agrava causa trepidação e agrava os impactos na estrutura geológica, segundo o Observa-MT. Ou seja, houve ausência de fiscalização e monitoramento. Com a queda de blocos, foi restrito o trânsito de caminhões, tendo sido liberados apenas veículos leves. No entanto, entre a segunda e sexta-feira, há bloqueios entre as 8h e 14h e apenas aos domingos o tráfego é liberado.
Isso ocorreu por conta da pressão do comércio de Chapada dos Guimarães. O empresário Douglas Araújo Silva, proprietário de um ponto de comércio de visitação e venda de produtos em Chapada também enfatiza a midiatização do caso.
“Quando fechou tudo, também fiquei assustado. Depois, fiquei revoltado. Participei da visita técnica organizada pelo TCE na semana passada e ficou bem claro para mim, assim para outros comerciantes, de que não era necessário o fechamento total da via”. Para ele, se fosse mantido o sistema pare e siga, os prejuízos teriam sido menores. “Os meses de festas e férias são aqueles que garantem caixa para os próximos meses. Fui obrigado a dispensar oito temporários. Considero que fomos vítimas de jogo político”.
Mas enquanto representantes do governo e apoiadores seguem utilizando as quedas de blocos no Portão do Inferno para defender a estadualização do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, outras manifestações reforçam a responsabilidade que o governo tem sobre a a MT-251.
Na sexta-feira (12), uma visita técnica capitaneada pelo presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), Sérgio Ricardo trouxe novos fatos e personagens à luz. O conselheiro avaliou que as telas de contenção que o governo está colocando “não evitam absolutamente nada”, como destacou reportagem do jornal A Gazeta.
Sérgio Ricardo também comentou sobre os ataques ao ICMBio e afirmou que o órgão ambiental “não proíbe nada desde que tenha um projeto”, apontando que não há nenhum projeto do governo para o trecho.
Ao mesmo tempo o site VG Notícias, teve acesso a um documento elaborado em conjunto com a Defesa Civil, que apontava risco geológico no Portão do Inferno. Assim, em 2022, recomendou ao Governo do Estado que adotasse medidas para garantir a segurança do local, como obras de contenção, instalação de sistema de alerta e monitoramento, além de realocação da MT-251.
A propósito, o governo por vezes reclamou via imprensa que o ICMBio travava a duplicação da MT-251, o que foi negado pelo órgão. O governo se esqueceu que a própria Secretaria de Infraestrutura de Mato Grosso deu entrada anos atrás, no processo de licenciamento ambiental para duplicação da MT-251. Como o processo apresentava diversas inconsistências, entre elas, a ausência de solução efetiva para trechos como o do Portão do Inferno, o licenciamento foi alvo de Inquérito Civil no Ministério Público Estadual. Dessa forma, esse fato contradiz a narrativa do governo de que a responsabilidade pela rodovia é do ICMBio.
Mais uma vez em manifestação à imprensa, o presidente da Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), Caiubi Kuhn, desta vez, ao RDNews, disse que a situação foi criada porque o estado tenta fugir da responsabilidade, jogando a culpa pela falta da gestão, no ICMBio. O especialista disse ao site que não é da alçada do órgão federal resolver o entrave da rodovia. Para ele, “faltou fazer o dever de casa”.
Buscando ampliar o debate sobre o impasse que ronda o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, localizado nas cidades de Cuiabá e Chapada, o deputado Wilson Santos (PSD-MT) convocou para esta sexta-feira (19) uma audiência pública que será realizada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. O objetivo, segundo o deputado, é buscar soluções para resolver o problema da via e alternativas imediatas para melhorar a mobilidade.