Governo brasileiro vai lançar uma Política Nacional de Cuidados
Secretária nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, Rosane Silva explica como o Estado pretende cuidar de quem cuida
Por Ester Pinheiro
Em 30 de março de 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) — coordenado conjuntamente pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e o Ministério das Mulheres — formulou um diagnóstico sobre a organização social dos cuidados no Brasil e elaborou uma proposta da Política e do Plano Nacional de Cuidados.
No Brasil, o trabalho de cuidado remunerado ou não, é, historicamente, uma atividade realizada pelas mulheres no interior das famílias, com pouco apoio dos homens, das empresas privadas e do Estado. Essa forma de organização desigual dos cuidados prejudica de modo desproporcional as mulheres, que têm dificuldade de acessar direitos, como educação, saúde, trabalho remunerado e tempo de descanso.
Cuidar de quem cuida é um dever do Estado e também uma necessidade. O acelerado processo de envelhecimento populacional provocará um significativo aumento das demandas de cuidados para as pessoas idosas.
Por essa conjuntura, no ano passado, o governo da Argentina, fez um pedido de Opinião Consultiva à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) para avaliar o trabalho de cuidados como um direito humano. Com as diretrizes que a Corte IDH vai estabelecer se esperam políticas públicas e leis que avancem no reconhecimento, redistribuição e remuneração do trabalho de cuidados no Brasil. O governo brasileiro ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e por isso tem responsabilidade em aplicar as diretivas da Corte IDH.
Conversamos com Rosane Silva, Secretária nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, sobre a Política e o Plano Nacional de Cuidados do governo brasileiro e como planejam abordar o desafio da crise dos cuidados.
Pretendidos para serem lançados em maio deste ano, quando o governo vai publicar a Política Nacional de Cuidados e o Plano Nacional de Cuidados?
A proposta de Política Nacional de Cuidados elaborada pelo Governo Federal a partir de um amplo diálogo interministerial, com a sociedade civil e com organizações representativas de estados e municípios, foi enviada ao Congresso Nacional na forma de um projeto de lei pelo presidente Lula, no início do mês de julho deste ano. Se trata do PL nº 2762/2024.
O regime de urgência do PL foi aprovado recentemente, a partir de um requerimento da deputada federal Benedita da Silva, e precisamos seguir atentas e atentos, acompanhando os trâmites do projeto no Poder Legislativo. O Plano Nacional de Cuidados, por sua vez, está em etapa final de acertos, e estamos com a expectativa de lançá-lo ainda em 2024.
Na prática, como o plano garante o direito ao cuidado para todas as pessoas que necessitam?
O Plano contará com ações de várias naturezas, em um esforço de considerar simultaneamente as necessidades tanto quem cuida, quanto de quem demanda cuidados. Deverá envolver, por exemplo, a criação, a ampliação e a qualificação de serviços de cuidado; iniciativas de formação e de qualificação para trabalhadoras não remuneradas do cuidado; deverá fomentar a adoção, pelos setores público e privado, de medidas que promovam a compatibilização entre o trabalho remunerado e as necessidades pessoais e familiares de cuidados.
Também busca promover o trabalho decente para as trabalhadoras remuneradas do cuidado; medidas para reduzir a sobrecarga de trabalho não remunerado que recai sobre as famílias, em especial sobre as mulheres; a estruturação de iniciativas de formação destinadas a servidores públicos e ao conjunto da sociedade.
Além do aprimoramento de dados sobre o tema, o que é fundamental para seguirmos avançando em políticas públicas baseadas em evidências. Informações mais detalhadas sobre as ações virão no Plano.
Quais são as políticas públicas necessárias para garantir os direitos das cuidadoras?
Para as trabalhadoras remuneradas do cuidado precisamos garantir políticas que promovam a valorização da profissão e condições justas de trabalho, com efetivação de direitos. Para as trabalhadoras não remuneradas do cuidado, precisamos de políticas para a visibilização e o reconhecimento do trabalho que realizam, de sua importância e do impacto que as desigualdades relacionadas a esse trabalho significam em suas vidas.
Temos a necessidade de políticas que redistribuam as responsabilidades e reduzam o tempo que as mulheres empregam nesse trabalho não remunerado.
Na cartilha do plano de cuidados, é citado que o rumo da política nacional de cuidados passa por inserir as mulheres que cuidam no mercado laboral. Mas, quais são as ações propostas para que elas possam também descansar?
No nosso Plano é central a promoção da corresponsabilização de gênero, e da corresponsabilização entre famílias, poder público, setor privado e comunidades. Essa distribuição mais justa do trabalho de cuidados tem tudo a ver com a garantia de descanso para as mulheres que hoje cuidam por tempo completo ou por longos períodos.
Entendemos que a oferta de serviços para quem demanda cuidado tem um papel fundamental para garantir liberação do tempo de quem cuida, sendo fundamental olharmos para quem demanda cuidado e para quem cuida simultaneamente. Além disso, teremos um conjunto de ações no Plano voltadas para as mulheres que hoje cuidam de forma não remunerada, mas para mais detalhes teremos que aguardar o Plano ser lançado.
Leia a reportagem: quem cuida de quem cuida?
*Este trabalho foi realizado por meio da bolsa de pesquisa jornalística da Rede Dialoga da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Programa de Estado de Direito para a América Latina Fundação Konrad Adenauer.