Por Hyader Epaminondas

Entrando para a já extensa galeria de sucessos da produtora A24, “Fúria Primitiva” se diferencia por sua abordagem cinematográfica singular e envolvente, imersa numa paleta de cores vibrantes para contar de forma alegórica e realista a lenda de Hanuman, traçando paralelos da fábula com a história de vida do protagonista com uma sinergia cheia de elementos repletos de misticismo e muita ação desenfreada tendo como parque de diversão a área urbana de uma versão fictícia de Mumbai.

Sob a estilosa direção de Dev Patel, cujo brilho é evidente em seus papéis em “Quem Quer Ser um Milionário?” e “A Lenda do Cavaleiro Verde”, ele se destaca com uma facilidade surreal tanto na frente quanto atrás das lentes das câmeras. Enquanto somos envolvidos em uma experiência marcante e tangível nesse projeto íntimo do diretor, é notável como ele projeta suas ideias com sinceridade através das discussões presentes na produção.

O grande destaque de “Fúria Primitiva” reside na intensidade dos movimentos de câmera e nos cortes rápidos que transmitem a fluidez de uma coreografia criativa que se utiliza de todo o ambiente para brilhar, elementos que conferem uma dinâmica visceral à narrativa de vingança. Com um toque de fantasia entrelaçado com um realismo eletrizante, Patel, ainda tem tempo de dissertar sobre temas sociais ligados à opressão religiosa mas também reserva espaço com momentos reflexivos que abordam questões profundas da sociedade indiana, um exemplo é a inclusão da comunidade das hijras, consideradas sagradas na tradição hindu e devotas da deusa Bahuchara Mata, sendo reconhecidas como o terceiro gênero na Índia.

O trabalho de imersão de Patel

Em paralelo com o ritmo frenético da história, somos transportados violentamente para dentro da mente do protagonista, testemunhando de perto cada uma de suas tomadas de decisões, acompanhamos suas façanhas marciais de pertinho quase como se estivéssemos olhando através de seus ombros, sentindo seu impacto como se estivéssemos integrados junto da ação.


O mundo é projetado com sensibilidade através dos olhos dele, é um sentimento tão próximo que por vezes experimentamos uma vertigem, como se estivéssemos vivendo suas emoções em primeira mão, experimentando cada pulso de adrenalina, cada batida do coração, como se fossem nossos próprios.

Cada momento é tão intenso que parece que estamos à beira de uma explosão iminente, como os segundos finais contados pelo timer de um micro-ondas, onde a tensão é palpável e a expectativa é quase insuportável devido à fragilidade e à mortalidade do protagonista, que não só humaniza o personagem, mas também aumentam os riscos a uma violência surreal. Essa sensação é meticulosamente desenvolvida pelo diretor, que domina com maestria a progressão das cenas.

A intensidade é tangível em cada cena, trazendo consigo uma infinidade de sentimentos com foco meticuloso nos detalhes dos cenários que enriquecem esteticamente essa imersão. Seja nas cenas claustrofóbicas da cozinha ou nos angustiantes momentos de tomada de decisão dentro da boate, cada movimento, cada som, cada imagem é projetada na tela de forma a causar um estrondo emocional, numa crescente onda de ansiedade, enquanto somos guiados por uma montanha-russa cheia de adrenalina.

A furiosa paleta de cores

Através de uma paleta de cores intensa e quente, “Fúria Primitiva” tece uma poesia visual que reflete o estado emocional do protagonista, imerso em chamas durante sua jornada de vingança. Cada quadro parece impregnado com a ardência de sua motivação inflamada, enquanto a trama se desdobra em meio à escuridão e à corrupção que caracterizam o cenário urbano da Índia expondo questões políticas como a corrupção sistêmica e a luta pela posse de terras.

Esta ambientação mergulhada em pobreza e desespero ressoa como uma linguagem não verbal, delineando a identidade do protagonista de forma impressionante. É através da expressiva atuação corporal de Patel que entendemos a profundidade de sua persona, comunicando mais com gestos do que com palavras.

Ao contrário de muitos diretores de filmes de ação que se limitam e surfam imitando fórmulas consagradas, Patel, em sua estreia na direção, apresenta uma visão original e estimulante do gênero, ao contar sua história de ficção em um contexto pouco explorado no ocidente. Sua abordagem incorpora referências perspicazes a outras produções clássicas, enquanto utiliza a iluminação de forma sutil, quase como um elemento narrativo escondido, destacando momentos de perigo, tensão e violência projetados como elementos que externam os impulsos do personagem principal.

A escolha de cenários e a composição das cenas expandem os horizontes imaginativos sobre a Índia, fundindo elementos de diferentes culturas para criar um universo autêntico. A coreografia das cenas de ação é precisa e objetiva, maximizando o impacto visual e narrativo. Por trás das intensas sequências de ação, há um discurso poderoso sobre o confronto de ideologias, onde a destruição de uma é apenas o prelúdio para a ascensão de outra, mais poderosa.

Certamente com sua linguagem visceral e narrativa envolvente, tanto “Fúria Primitiva” quanto seu diretor, vão se destacar na temporada de premiações. É um filme que não apenas merece elogios, mas também promete deixar uma marca duradoura no gênero.