Por Carla Castro

O Quilombo Família Lemos recebeu a Certificação da Fundação Cultural Palmares. Com isso, os membros da família que reside na área quilombola, localizada na zona sul da capital gaúcha, ganham fôlego para enfrentar o processo que visa a reintegração de posse por parte do Asilo Padre Cacique. De acordo com o advogado da Frente Quilombola, Onir Araújo, a certificação é a primeira etapa depois da autodefinição da comunidade para a abertura do processo de titulação.

“O documento foi expedido na quinta-feira (8 de novembro) e publicado no Diário Oficial na sexta-feira (9 de novembro). Com isso, já está aberto o processo de estudo e de delimitação da área junto ao INCRA. Inclusive o Instituto peticionou a instância onde corre a reintegração de posse informando a respeito da certificação e solicita que a matéria seja encaminhada para a Justiça Federal”.

Foto: Luiza Dorneles

A certificação é baseada no Relatório Antropológico elaborado pelo Núcleo das Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas (NUCIME-PR/RS), vinculado ao Ministério Público Federal da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul. No documento de 62 páginas contam as informações que comprovam que os moradores do endereço localizado na Avenida Padre Cacique, 1250 são remanescentes de quilombo e desmonta a tese da administração do Asilo Padre Cacique, já que comprovam que a família mora no local desde a década de 1960, quando o patriarca da família foi morar no local. A jornalista Elisa Casagrande, que estuda sobre o reconhecimento de quilombos urbanos, afirma que o recebimento da Fundação comprova que o local cumpre os requisitos de autodeclaração. “A validação por parte Fundação Palmares é uma vitória para a Família Lemos e dá um fôlego na luta e na resistência. Além disso, confirma que as informações prestadas pela família são verdadeiras e o órgão competente reconhece isso”.

Entenda o caso: O reconhecimento como remanescente de quilombo é pelo fato de que a bisavó – já falecida – da família Lemos ter sido uma das fundadoras do Quilombo Maçambique, em Canguçu, certificado em 2010 pela Fundação Palmares. O grupo familiar que reside no local que passa pelo processo de reintegração de posse tem, ao todo, 64 pessoas entre crianças, mulheres, homens e pessoas com deficiência. No relatório do NUCIME-PR/RS está descrito que os assentados encontram na área desde o início da década de 60, quando o local era visto como sendo de domínio público e não ocupado.

Foto: Luiza Dorneles

Foto: Luiza Dorneles

Alguns pontos foram levados em conta para que o reconhecimento aceito, como, por exemplo, as origens da família que se inicia no século XX e foram comprovadas por entrevistas e análise documental. A união entre Délzia Gonçalves de Lemos e o Jorge Alberto Rocha de Lemos foi o ponto central para o entendimento da conexão histórica da Família Lemos com a ancestralidade negra e com a opressão histórica sofrida pela escravidão. Conforme as entrevistas realizadas e os documentos levantados, a referência matriarcal da Família Lemos nasceu em 1936 no município de Canguçu (RS), na zona que faz fronteira com Encruzilhada do Sul (RS).

“Neste sentido, existe uma relação de consanguinidade e de parentesco por extensão entre a Comunidade de Maçambique e a Comunidade Família Lemos, o que significa, em outros termos, que o vínculo de pertencimento social à identidade quilombola auto atribuído pela Família Lemos é inegável. Assim, os próprios membros da Família Lemos possuem objetividade ao declarar seus vínculos familiares no Quilombo de Maçambique”, consta na página 17 do Relatório Antropológico.

Foto: Josemar Afrovulto

Foto: Luiza Dorneles

No dia 8 de novembro uma certidão foi assinada pelo superintendente regional substituto do INCRA no Estado do Rio Grande do Sul, Vitor Py Machado, certificando que foi instaurado um processo com vistas ao reconhecimento, delimitação , demarcação das terras ocupadas por remanescentes da comunidade Quilombola Família Lemos. Elizangela Lemos, membro da família, afirma que com a certificação já foram abertos os processos no INCRA e para a demarcação. “Também informamos nos autos do processos que a Fundação Palmares nos certificou e o INCRA já solicitou que o processo passe a correr na Justiça Federal, já que a área é quilombola”.

O local está com vigília permanente e conta com o apoio de coletivos negros e movimentos sociais que se revezam em atividades diárias no local. Uma convocação foi feita na tarde de terça-feira (13 de novembro) para reforçar a defesa do território quilombola principalmente no turno da noite.