Produtos Encontro de Sabores

A partir da criação de uma Cadeia Produtiva Solidária de Frutos Nativas no Rio Grande do Sul, diversos setores da sociedade civil estão movimentando a economia local e promovendo a conservação ambiental por meio da agroecologia. Os saberes e sabores nativos espalhados por todo o estado estão sendo potencializados em sistemas agroflorestais e geridos de forma dinâmica através da economia solidária. Esta é mais uma experiência identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Butiá, guabiroba, açaí da juçara e goiaba serrana são alguns dos muitos frutos que compõem a biodiversidade no estado. Cada um deles é característico em suas regiões, como o pinhão das araucárias nos campos de Cima da Serra, fazendo parte das paisagens socioculturais e naturais. A partir deles são produzidos diferentes produtos, como sucos, doces, sorvetes, geleias e salgados com alto valor nutricional. É neste contexto que as comunidades locais se articulam em redes, que vão desde a produção à comercialização dos alimentos.

Há pelo menos 30 anos, organizações locais, movimentos, cooperativas e associações, entre outros setores, têm se dedicado à produção agroecológica no estado. A Cadeia Produtiva surgiu em 2011 e,  hoje, conta com a participação direta de cerca de mil pessoas e o envolvimento de, aproximadamente, 500 famílias agricultoras. Ao todo, são 16 unidades de processamento, 8 entrepostos de armazenamento e distribuição de produtos,  12 parceiros comerciais com mais de 45 espaços de comercialização e  cerca de 94 toneladas de alimentos comercializados. Para participar, é preciso estar de acordo com as concepções e valores da cadeia solidária das frutas nativas, além de ser indicado por alguns dos membros, o que acontece durante o encontro estadual.

De acordo com Alvir Longhi, membro da coordenação da Cadeia Solidária das Frutas Nativas do RS, o diferencial dessas cadeias é que, ao invés de uma empresa ou cooperativa, envolve uma rede de diferentes atores que executam funções de forma complementar de uma etapa a outra da cadeia produtiva. Toda a dinâmica é desenvolvida na perspectiva da cooperação, trazendo a dimensão da economia solidária dentro de outra lógica de geração e gestão da economia. Segundo ele, a ideia é avançar gradativamente na agroecologização dos sistemas produtivos e agroflorestais, ao invés de orgânicos em larga escala. 

“O preço da polpa de guabiroba, por exemplo, é definido entre todos os atores que fazem parte da cadeia solidária. Desde os agricultores que coletam, passando pela agroindústria que processa até  o empreendimento responsável pela comercialização. Esse é um dos elementos centrais da cadeia, que se constrói a partir da  economia solidária e da agroecologia. Se antes era necessário gerar experiências tecnológicas e socioprodutivas, hoje o desafio é gerar processos de cooperação entre essas organizações numa mesma perspectiva. Não focar só no ponto de vista econômico individual, que muitas vezes disputa o mesmo mercado”, afirmou. 

As operações são integradas de forma interdependente, desde os setores de fornecimento de serviços e insumos, bem como os setores de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, serviços de assistência técnica e crédito. Tudo visando a conservação do meio ambiente pelo uso da biodiversidade, no fortalecimento da soberania alimentar e a construção de novas dinâmicas de comercialização. Com a valorização da gastronomia e identidade de cada região, a fim de preservar a ancestralidade cultural, é também garantida a preservação dos recursos naturais gerando renda para as comunidades e autonomia para as/os agricultoras/es  e extrativistas. É uma forma de dar visibilidade também aos frutos que são cultivados por gerações da população local e muitas vezes são pouco conhecidos ou utilizados, de forma a sensibilizar também os consumidores urbanos. 

Na última reunião estadual, foram apontadas algumas perspectivas: novos produtos estão sendo testados e há uma ampla campanha de promoção, assim como melhorias das condições de armazenamento das frutas e na logística de distribuição e comercialização. A continuidade da assessoria para produção, melhorias de gestão das agroindústrias e soluções de energias renováveis para redução de custo são algumas das estratégias para o fortalecimento da cadeia, até o final do ano. Segundo alguns integrantes, essas iniciativas são formas de quebrar o antagonismo entre a produção predatória e a preservação que não gera renda e alimentos. É possível produzir alimentos e renda com conservação ambiental a partir dessas espécies.

Sucos de frutas nativas

O resgate dos sabores locais 

O projeto  Encontro de Sabores, no município de Passo Fundo, na região norte e nordeste gaúcha, é um dos que envolvem produtos à base de pinhão, picolés de frutas nativas, conserva de crem (um tubérculo, chamado de batata crem ou raiz forte) e frutas congeladas. Criado em 2007 com o apoio do  Centro de Tecnologias Alternativas e Populares (Cetap), fortalece as ações de promoção dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) e do consumo sustentável. A iniciativa envolve 21 famílias na cidade, além de  dezenas de famílias nos municípios do entorno, com uma capacidade estimada em 10 mil quilos de polpas de frutas por ano.

Segundo Lidia da Rocha Figueiró, uma das idealizadoras do projeto, a capacidade de produção é muito maior, mas ainda encontram dificuldades com o armazenamento, logística e  transportes. A quantidade de matéria-prima só do pinhão, por exemplo, chegou a 5 mil quilos neste ano, gerando diversos produtos para comercialização. As frutas também são guardadas em grande quantidade e vendidas às/aos chefes de cozinha para desenvolverem pratos locais, assim como as polpas.

“A ideia desse empreendimento é mostrar a diversidade de frutas nativas que temos em nossa região e que o público urbano não conhece ou que  tive contato na infância e nunca mais viu esses alimentos. Buscamos  mostrar que agora tem um local com doces, pães, sucos, sorvetes etc, para comer coisas “de antigamente”. Porque as crianças de hoje não têm esse paladar para diferenciar que essa fruta é nativa do Rio Grande do Sul, mas antes,  todos comiam muito quando criança. A ideia é trazer essa história para todo mundo”, afirmou.

Guariroba

Apoio do governo do Estado

A Cadeia solidária das Frutas nativas conta com diversos parceiros, como cozinheiras/os (movimento slow food), ONGs, universidades, entidades internacionais financiadoras, redes de agroecologia, como a Rede Ecovida de Agroecologia,  entre tantos outros setores. O poder estadual gaúcho, por sua vez, se faz presente como um importante parceiro por meio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), que promoveu e fortaleceu a Cadeia nos últimos anos visando a valorização e conservação da biodiversidade nativa. O assessoramento técnico, por meio da certificação agroflorestal e extrativista, com suporte técnico de  algumas entidades, como o Centro de Tecnologias Alternativas e Populares (CETAP), ajudou a impulsionar a produção e comercialização dos alimentos.

De acordo com Joana Bassi, analista ambiental da Divisão de Flora da SEMA, uma das formas de apoio da Secretaria é através  da medida de compensação das empresas públicas que têm débito dos processos de licenciamento florestal. Os recursos do Projeto Técnico de Reposição Florestal Obrigatória (RFO) são convertidos em projetos proponentes, que compõem o banco de projetos da SEMA. Tudo isso está em diálogo com as políticas internacionais de conservação pelo uso e fomento a arranjos produtivos sustentáveis.

“Temos dado suporte no processo de certificação e regularização agroflorestal. O último projeto com a Cadeia Solidária possibilitou, em  dois anos, a emissão de  certificação de 140,4 hectares de agroflorestas em várias regiões, totalizando cerca de mil hectares no estado até o momento. A iniciativa está amparada em Planos de Ação Nacional de Conservação com atuação direta da SEMA, que atuam em escala e abordagem territorial. Os projetos possibilitam o desenvolvimento de ações de conservação, incluindo espécies ameaçadas e ecossistemas associados, assim como de promoção e apoio aos modos de vida tradicionais e sustentáveis”, afirmou.