Graziela Brum, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30

“A resposta somos nós, chega de violência!”. Foi com essa frase que uma das mais representativas lideranças indígenas do país, Alessandra Munduruku ecoou o alerta de inúmeras comunidades indígenas na Marcha Mundial pelo Clima e na Marcha Indígena, realizada durante a COP30. É preciso dizer que o protagonismo de mulheres indígenas fez com que a Conferência da ONU sobre Mudança do Clima se tornasse também, a COP das mulheres originárias. Elas bradaram com toda a força o que o mundo se recusa a ouvir. 

Com a potência de suas vozes reavivaram a força ancestral das Icamiaba, cuja história foi repassada oralmente, de geração em geração. Esta terra sempre foi delas: das mulheres originárias, da Abya Yala (termo indígena usado para se referir ao continente americano), das lendárias guerreiras Icamiabas, que organizavam suas sociedades às margens dos rios numa região entre as divisas do Pará e Amazonas. As Icamiabas não são apenas uma lenda. Relatos do cronista Frei Gaspar de Carvajal, durante a expedição do espanhol Francisco de Orellana em 1542, confirmam em seu diário o encontro com uma comunidade de mulheres guerreiras, que expulsaram os invasores com seus arcos e flechas.

Segundo a diretora da Associação de Guias e Condutores da Vila de Alter do Chão (PA), Ana Carolina Oliveira Magalhães, as Icamiabas, que viviam em uma sociedade matriarcal, resistiram por séculos e seguem vivas no DNA das mulheres indígenas.

“Tentaram dizer que era uma lenda para não contar que homens colonizadores perderam a batalha para as guerreiras Icamiabas”, afirma Carolina.

Ela promove um evento curativo-criativo de reconhecimento dessa força à beira do igarapé do Macaco, no oeste do Pará e conta que as Icamiabas realizavam rituais sob a lua cheia no Lago Yaci-Uará (Espelho da Lua) e confeccionavam os muiraquitãs, amuletos de pedra verde em forma de sapo e outros animais. Estes símbolos de sorte e proteção eram oferecidos aos guerreiros de aldeias vizinhas como um encorajamento para a batalha.

Agora, na COP30, podemos reconhecer a mesma força Icamiaba na fala da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, da deputada federal, Célia Xakriabá, da dançarina de carimbó Giovana Borari, do coletivo Guerreiras Suraras, do Suraras do Tapajós, da ativista Rayri Ximanga Encantada e de tantas outras mulheres indígenas que estão em Belém.

Elas soltam o grito da garganta para nos falar do despertar para o que cria vida, e não para o que cria morte. E o que essas mulheres gritam em frente ao pavilhão da COP30, nas manifestações e nos encontros, é que existem formas possíveis de se relacionar com o planeta sem consumi-lo como recurso. Uma forma que resgata a sabedoria dos povos originários, que mostra uma identidade das Américas que não se baseia na lógica dominadora de Américo Vespúcio, mas numa ideia de Terra Viva, em florescimento, de terra de sangue vital.

Este é o grito de resgate histórico do continente. A sabedoria que promove a vida e preserva o planeta pode ser acessada pela voz dessas mulheres. Por mais que o sistema complexo deste mundo tenha tentado apagá-las, por mais que o mundo lá fora desvalorize o fazer das mulheres ligadas à terra, este conhecimento persiste.  Um conhecimento ancestral que ecoa pelas manifestações nos espaços públicos de Belém. Elas não precisam reaprender a lidar com a terra, pois já plantam, colhem e cuidam de suas famílias por séculos e séculos. E é claro, resistem em igual período.

Por isso a COP na Amazônia está sendo totalmente diferente de todas as outras. Porque, mesmo que os acordos das delegações internacionais no pavilhão oficial da ONU não sejam favoráveis à vida, o mundo teve a oportunidade de assistir às mulheres originárias ecoarem a força e a sabedoria das guerreiras Icamiabas. Uma COP que nos mostra que somos capazes de fertilizar a terra e sustentar o céu.