
‘Firmina’: quando o silêncio ganha voz
Curta de Izah Neiva expõe a violência patriarcal com delicadeza estética e força política, transformando silêncio em voz coletiva
Por Maíra Aragão
Assistir a “Firmina”, curta de Izah Neiva premiado em Fama, é ser atravessada pela ferida coletiva de ser mulher, em nossos diversos corpos, em um mundo patriarcal. Não sou cinéfila, venho das artes visuais, mas, acima de tudo, sou mulher, e por isso não consigo assistir a esse filme e permanecer em silêncio. Ele escancara as violências que nos atravessam como gênero, como condição histórica, como marca social que insiste em se repetir.
“Firmina” já soma 34 prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção em Fama — e não por acaso vem conquistando o público. Para alguns, falar sobre violência contra a mulher pode soar como um tema “batido”, repetitivo. Mas é justamente nesse ponto que o curta se impõe: com delicadeza estética e força política, Izah pauta a temática de forma contundente, transformando o silêncio em denúncia e a denúncia em um verdadeiro soco na cara da sociedade.
O que mais me impacta é como o filme revela que o perigo é relativo. Um fogo aceso mobiliza vizinhos, sirenes, bombeiros. Mas o grito de uma mulher pedindo socorro, tantas vezes, não significa nada. O fogo ameaça a sociedade; a violência contra nós é silenciada, normalizada, incorporada à vida diária. Esse é o retrato mais cruel do patriarcado.
E há outro lembrete incômodo: o agressor não tem cara. Ele pode estar em qualquer lugar — dentro de casa, no trabalho, na rua. Essa ausência de rosto não é acaso: Izah traz o reflexo de uma sociedade que prefere apagar a violência a confrontar suas próprias estruturas. Quando o agressor é invisível, a violência se torna difusa, cotidiana, quase naturalizada.
Izah, porém, não nos aprisiona no silêncio. Sua câmera não explora a dor: cria uma ética feminista, um cuidado, uma poética em silêncios que denunciam.
Como artista visual e como mulher, reconheço em “Firmina” nosso ato de resistência. O agressor pode não ter rosto, mas nossas feridas têm voz. E esse filme é uma delas.
E se “Firmina” é ferida, o curta “Sônia”, que também está sendo premiado em festivais, nasce dessa mesma marca, como cicatriz que não permite o esquecimento. Confesso que estou muito curiosa para assistir também a essa obra que se mostra necessária — tanto que agora se desdobra em um longa-metragem, também chamado “Sônia”. A trama promete mergulhar fundo em questões urgentes para nós, mulheres. Izah Neiva já se mostrou pura potência, com o cuidado e a sensibilidade de transformar nossas dores em narrativa, e nossas narrativas em resistência.