Por Lilianna Bernartt

Em meio a tantas dificuldades de produção e distribuição, felizmente estamos acompanhando cada vez mais a propagação do revolucionário cinema indígena, que vem se estabelecendo como um cinema de experimentação, de extrema potência imagética, filosófica e sensorial.

Neste ano, produções indígenas tiveram relevante destaque em festivais de cinema, nacionais e internacionais, um feito de extrema importância para os povos originários, que, através do cinema, reassumiram a autonomia de suas vozes.

Neste cenário, pela primeira vez o Cinema Yanomami terá um dia especial reservado dentro do Festival de Veneza, que ocorre a partir de 30 de agosto de 2023.

No dia 04 de setembro, o “Eyes of the Forest” (“Olhos da Floresta”) exibirá três curtas-metragens Yanomamis em um dia dedicado ao Cinema Indígena Yanomami No Brasil e também, ao primeiro cineasta Yanomami, Morzaniel Ɨramari.

Foto: Divulgação

“Mãri Hi – A Árvore do Sonho”, dirigido por Morzaniel e vencedor do prêmio de Melhor Documentário de curta-metragem nacional no “É Tudo Verdade” – Festival Internacional de documentários –, é um dos destaques da exibição. O curta-metragem aborda os sonhos que surgem a partir do desabrochar das flores da árvore Mãri. A experiência onírica é conduzida através das palavras de um grande Xamã. O filme também figura como concorrente ao Oscar 2024 na categoria Melhor Documentário de curta-metragem.

Foram selecionados também os filmes:

“Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando”, que acompanha a narrativa de uma jovem mulher indígena que observa um xamã durante o preparo da Yãkoana, alimento dos espíritos. A Yãkoana permite aos xamãs adentrarem o mundo dos espíritos, e o filme propõe um encontro de perspectivas e imaginações através das reflexões da jovem.

Foto: Divulgação

E o filme “Yuri U Xëatima Thë – A Pesca com Timbó”, que concentra sua história em dois jovens realizadores Yanomami que descrevem o processo de pesca com timbó, cipó tradicionalmente empregado para atordoar os peixes. O encontro de vozes e perspectivas sugere o reencantamento das imagens como forma de contar histórias.

Foto: Divulgação

Tanto “Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando” quanto “Yuri U Xëatima Thë – A Pesca com Timbó” são dirigidos por Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami e são os primeiros filmes dirigidos por mulheres Yanomamis a serem exibidos em um Festival de Cinema Internacional.

Nos últimos anos, a Terra indígena Yanomami foi invadida por milhares de garimpeiros ilegais, que ocasionaram altos índices de desmatamento, violência, doenças e mortes.

No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou a cidade de Boa Vista (RR) e decretou emergência de saúde para o povo yanomami, oficializando a crise humanitária. Neste contexto, a nova produção audiovisual dos yanomami é também uma convocação para os não-indígenas apoiarem a proteção da terra-floresta.

Sobre isso, o cinema indígena Morzaniel Ɨramari diz que espera que a exibição dos filmes possa ajudar os brancos a pensar com os yanomamis sobre a terra e a saúde dos povos originários:

“Nós, yanomami, somos habitantes da floresta Amazônica. No Brasil, somos quase 30 mil pessoas. A terra-floresta é nossa mãe e cuida do povo yanomami. Desejamos viver em paz, com alegria e fazendo nossas festas. Os napë pë (brancos, inimigos) gostam de destruir a floresta e pegar as riquezas da terra. Hoje, o garimpo ilegal invadiu nosso território, estamos tristes por perder tantos parentes e ver nossas crianças morrendo por doenças. Nosso rio está sujo de lama e mercúrio, mas nosso território é forte por dentro. Com a árvore do sonho, nós sonhamos longe e os xamãs sonham ainda mais longe, conhecem o canto e a dança dos espíritos, o sonho do rio, o sonho do mundo”.

Os três curtas-metragens foram produzidos pela Aruac Filmes, em parceria com a Hutukara – Associação Yanomami e produção associada da Gata Maior Filmes. Os filmes contam ainda com o apoio institucional do Instituto Socioambiental e de uma rede de fundações e instituições internacionais que trabalham diretamente com a Amazônia Brasileira.