Por Esdras Ananias Ferreira Santos*

O programa 1 da Mostra Competitiva Minas do FestCurtasBH 2023 foi composto por três curtas-metragens de cineastas belo-horizontinos. Nessa sessão, de pouco mais de sessenta minutos, pertencimento e sensorialidade transbordaram da tela. Os filmes trabalham distintamente com os espaços fílmicos, tanto as locações e cenários, como os locais macro onde as histórias dos curtas se passam. As relações de pertencimento, ocupação e debanda do lugar em que se está amarram com esplendor os filmes da sessão. 

Enquanto alguns ambientes das narrativas exibidas são expandidos, enchem os olhos e atiçam a curiosidade, outros exprimem fortíssimos limites das personagens e enclausuram as atuações, tornando ainda mais interessante os jogos de cena apresentados.

O curta Rosa Neon, dirigido por Tiago Tereza, abre a sessão apresentando a história de um casal jovem em crise, vivendo em uma cidade interiorana e aparentemente pacata. O filme se inicia e termina com um breve monólogo em formato semelhante a mensagens por áudio, a única fala presente no curta. Tiago e sua equipe demonstram a corrosão desse romance numa narrativa fragmentada, com uma técnica admirável. Quadros com composições invejáveis e iluminação baixa, com pontos de destaque em luzes e lâmpadas neon, guiam o olhar espectatorial. O uso abundante de cores pouco saturadas reforça a experiência de um lugar opaco, desgracioso, assim como a relação desgastada pela qual as personagens perambulam.

O desentoar do casal é reforçado ainda mais pelo carro chefe da trilha sonora do curta, a canção Desentoado composta por Tino Gomes, mas performada no filme por Marina Sena, com apenas voz e violão, numa cena que transpira noites quentes em um “bar copo sujo”. A música composta por versos e expressões como “sou boi de corte” e “eu me arrastei na ribanceira” provocam o espectador já desinquieto e que, até o final da narrativa, verá esse casal se tocar e se esfolar em paredes, lençóis, na orla de um rio e em si mesmos…

O segundo filme exibido foi o curta-metragem Habitat Natural, Noite Adentro de 2023. Nele, a diretora estreante Efe Godoy documenta e estiliza momentos das noites no centro de Belo Horizonte em alguns eventos dos últimos meses. Toda captação do filme, imagens, vídeos e som, foram realizados com o próprio celular da cineasta. Um recurso que transborda sua versatilidade para as imagens que compõe o filme na tela. Um belo exemplar contemporâneo de “cinema de guerrilha, de improviso” adornado com muito charme e ousadia.

Em um bate papo com a diretora do curta, após a exibição, ficou claro como o filme é também uma produção afirmativa. Efe relata que está fazendo 35 anos em 2023, a expectativa média de vida de pessoas transsexuais e travestis negras no Brasil. Logo, realizar e exibir este filme em uma mostra como o FestCurtasBH é muito significativo para a cineasta, seus amigos e sua comunidade.

Efe Godoy. Foto: Reprodução

A sessão foi finalizada com o curta-metragem Partida de Vôlei à Sombra do Vulcão da Clara Campolina e da Fernanda Viana. O curta foi realizado em parceria com o Grupo Galpão e com um carismático e empolgante elenco de rostos já bem conhecidos do teatro e TV nacionais, como Inês Peixoto e Teuda Bara.

O filme de quase 30 minutos, produzido durante a pandemia de Covid-19, mostra de modo poético e divertidíssimo a história de uma mulher que viaja do Brasil para o outro lado do mundo para contemplar a erupção de um vulcão que a intriga e cativa. A aventura da personagem é retratada em uma lógica narrativa que não só flerta, mas namora, se agarra e exibe teatralidade. Personagens quebram a quarta parede postos à frente de um fundo infinito azul e, neste mesmo espaço tem seus corpos e monólogos plenamente iluminados por fontes abundantes de luz. Fachos vibrantes, quase celestes – no sentido mais religioso da palavra.

A mulher que protagoniza o filme é vivida, construída e interpretada por seis atores diferentes, e cada um traz para ela camadas e trejeitos especiais. Fazem com que esta persona viajante vibre na tela. Através da comicidade de eventos hodiernos, o curta desperta reflexões sobre buscas por compreensão, raízes e encantamentos.

“Partida de Vôlei à Sombra do Vulcão”, de Clara Campolina e Fernanda Viana. Foto: Divulgação

É evidente, como o programa 1 da Mostra Competitiva Minas transparece uma curadoria diversa e sensível. Uma sessão com três produções distintas em forma e técnicas, não obstante, reforçam e demonstram a potência do cinema mineiro e do imaginário dos cineastas do estado.

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*Aluno do curso de Cinema da PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Cobertura colaborativa do 25º FestCurtasBH.

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