Falta responsabilidade do jornalismo brasileiro na cobertura olímpica de Paris?
Análise de deslizes e polêmicas na cobertura olímpica, destacando o balanço entre ética jornalística e seus limites.
Por Alex Fravoline, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
O Jornalismo é uma ferramenta útil e poderosa. Atualmente, mais flexível, mais abrangente e mais acessível, ainda mantém seu principal objetivo: manter a sociedade bem informada sob qualquer circunstância, quando forem verdadeiras e imparciais. Estamos cercados de informações o tempo todo. Além da grande vilã da área de comunicação, a fake news, há uma pauta que pouco se fala, porém muito se vê: a falta de ética nos veículos midiáticos.
Curiosamente, mas não por acaso, a primeira transmissão de um jogo olímpico aconteceu há 100 anos através do rádio, em Paris. Para o ao vivo da televisão, ainda demorou mais três edições para ser transmitida. E antes de assistirmos ou ouvirmos os jogos, somente podíamos imaginar pela visão, lendo os jornais da época. A evolução do Jornalismo até agora se traduz pela linguagem, hoje mais relaxada e convidativa. Porém, existe quem não enxergue um limite para isso?
De somente ter o jornal como fonte, hoje temos diversos veículos. Dentre os principais, somos ofertados pela transmissão em ao vivo da TV Globo, na televisão aberta e seus canais fechados, e no streaming pelo webcanal Cazé TV. Conforme a grandiosidade do veículo, mais responsabilidade: uma exibição acontece pela emissora mais tradicional do país e em outra janela, um canal esportivo no YouTube, jovem e popular. Entre elogios e críticas, houve alguns momentos em que o amadorismo e a falta de ética transpareceram.
Em quadra, o jornalismo esportivo cobria a final do salto em altura, no atletismo, neste domingo, 04. A atleta Valdileia Martins tornou-se um nome comentado pelas dores que sentia no pé esquerdo, que levaram a desistir da prova. Além de estar lesionada, Valdileia ainda sofria pela morte do pai, uma má notícia recebida quando já estava em Paris. O repórter da TV Globo, Guilherme Roseguini, ficou a cargo de entrevistá-la pelo canal fechado SporTV. O que chamou a atenção foi a pergunta feita: o jornalista menciona o falecimento de seu pai e a pergunta como foi conviver com o luto e escolher ficar para competir. A atleta tenta falar, mas me emociona e vira a cara para não desabar. Consegue concluir a entrevista e menciona que sua família é sua força. O repórter a parabeniza por ser finalista e encerra, com os olhos brilhando.
As manchetes refletiram toda a emoção embutida nessa entrevista, já a internet não conseguiu perdoar a pergunta feita para Valdileia. Comentários do tipo “que tipo de profissional é esse” e “Eles tocam na ferida com força e sem pena. Sem noção!” expressavam internautas revoltados com a falta de sensibilidade em um assunto que não deveria ter sido perguntado na quadra, enquanto a atleta desempenhava seu papel profissional. Houveram defesas para o jornalista, mencionando uma tentativa de humanizar a esportista, porém não eram maioria. O assunto ficou somente na bolha das redes, em uma reflexão de muitos sobre a ética no Jornalismo da atualidade. Como não chamou atenção, nenhuma das partes deram declarações sobre a entrevista. E para o repórter, tampouco sabemos se a pergunta foi feita na hora ou repassada para ele. Fato é que o episódio deixou uma observação que nem todos ficaram sabendo.
Se na televisão, o momento passou despercebido por muitos, aconteceu o contrário na internet. A CazéTV, no YouTube, vem sendo um webcanal muito comentado, não só pela cobertura, como na mistura do Jornalismo com o humor, que se tornou característica indispensável em diversos produtos midiáticos esportivos, para agradar seu público-alvo. Um desses programas é o Zona Olímpica. Para ser uma atração esportiva mais descontraída, apresentado em um sofá para uma roda de conversas com os convidados, o jornalista Guilherme Beltrão foi duramente criticado por um comentário feito ao vivo. No programa exibido na noite de quinta-feira (1º), o apresentador falou sobre um atleta do nado sincronizado e afirmou que o brasileiro não tinha chance de medalhas. “O camarada do nado sincronizado que não tem chance de medalhas tem que ir (para as Olimpíadas) por dois objetivos: se superar e c*mer gente”, declarou.
Após a paráfrase, Casimiro Miguel, Fábio Porchat, a ex-jogadora de vôlei Adenízia e o jornalista Igor Rodrigues, que estavam presentes, dão risadas do comentário. No Instagram, a atleta brasileira de nado sincronizado, Gabriela Regly, criticou a postura. “Isso é um completo absurdo. Isso é um desrespeito com o atleta, uma desconsideração conosco; por mais que a gente não tenha chance de medalha, a gente está brigando para representar o nosso país”, afirma emocionada. Casimiro, fundador e um dos sócios da Cazé TV, contrapôs a publicação. “Ô minha gente, não estamos falando de atletas brasileiros que não conseguiram a vaga. Estávamos falando sobre sexo na Vila Olímpica, dando um exemplo hipotético de um atleta de nado artístico que não tem chance de ser campeão, tendo sido eliminado rapidamente da Olimpíada. O que ele fará depois? Curtir a Vila Olímpica”, rebateu. O que ninguém imaginou que iria viralizar, se propagou por um comentário dito com tom de humor, e que poderia ter sido pensado antes de ser falado. Bola fora.
Essa era, até então, a segunda polêmica do recente programa, já que durante sua estreia, o clima pesou ao vivo. A humorista Nathaly Dias, conhecida pela personagem “blogueira de baixa renda”, expôs uma fofoca sobre uma suposta briga e relacionamento amoroso conturbado entre as jogadoras de vôlei Gabi e Sheilla Castro. Nathaly aproveitou que a apresentadora Adenízia fez parte do time e a sugeriu que expusesse esse boato ao vivo. A ex-atleta, visivelmente sem graça, corta a fala da convidada e se pronuncia olhando para a câmera: “É um programa de família, não é para colocar casos obscuros no ar, assim. Falemos de coisas alegres”. Mesmo com “climão”, a influencer seguiu com o boato, provocando risadas e constrangimentos não só no estúdio, mas para quem assistia.
Na declaração em sua rede social, Nathaly expôs seu cancelamento pelo ocorrido e ressaltou que perguntou para a equipe do programa se havia algum assunto delicado antes de começar, ganhando uma resposta negativa. Conta também do cruel linchamento virtual que estava passando e que a intenção foi leve e descontraída, porém em nenhum momento se desculpou com as atletas mencionadas ou por não estabelecer um limite para seu humor. Adenízia e Guilherme Beltrão se pronunciaram, declarando que a proposta da atração não era fazer “fofoca” de ninguém. Mesmo a controvérsia não saindo de um jornalista, não teve nenhum comunicador para avisar antes. Ponto para Adenízia, que mesmo não sendo da área, se portou com elegância e freou uma declaração que poderia piorar. Pena que, no estúdio, foi supostamente a única a ter essa atitude.
Até quem não polemizou ao vivo, soube pesar a mão. Milton Neves, jornalista esportivo há anos no ramo, criticou a cerimônia de abertura do evento em sua rede social. Após uma enxurrada de comentários negativos, o profissional foi deixado de lado: “Sim, um jornalista de 73 anos, cansado pela idade, tristeza, e trabalho árduo de décadas, e que obviamente jovens arrogantes e que acham que nunca vão envelhecer, usam para diminuir uma opinião e criar engajamento”, detonou. “Desejo que usem sua influência para o bem, e não para induzir jovens a se suicidarem. Quero que se f*da o cancelamento de vocês”. Além da raiva, o jornalista não manteve sua pose perante a impaciência da consequência digital de expôr sua opinião e receber comentários.
Além desses casos, houve um capítulo lamentável na cobertura ao nível global. O comentarista britânico Bob Ballard foi demitido após uma declaração machista no momento em que as atletas da equipe de natação da Austrália haviam acabado de ganhar medalha de ouro no revezamento 4X100m livre: “As mulheres estão terminando. Você sabe como as mulheres são (…), elas estão por aí, se maquiando”. A emissora, Eurosports, emitiu um comunicado da remoção do jornalista.
Estas polêmicas, não podemos diminuir o trabalho de diversos jornalistas e comunicadores que se empenham em apresentar o melhor do seu trabalho e mostrar qualidade, tanto em atitudes, quanto em comentários. Poderia ser melhor? Poderia, mas também poderia ser bem pior. Deslizes acontecem, com a diferença de que atualmente, em um mundo globalizado, é importante pensar antes de falar e refletir sobre a responsabilidade de ser um porta-voz de um grande evento.
Há pressões e em alguns casos, existe o objetivo de quebrar o clima sério que se tem em torno do Jornalismo. O que falta é dosar e saber a divisa entre a descontração e a falta de ética. Indo de contramão a matéria, tivemos acertos, como narradoras e repórteres mulheres ocupando cada vez mais espaço nas transmissões esportivas, principalmente olímpicas. Também é notório observar a entrada de profissionais que não são comunicadores, descritos como comentaristas ou funções atreladas a especialistas, que não desapontam e destacam-se pela ética e qualidade no trabalho, como a mencionada Adenízia, na CazéTV, e também os atletas Daiane dos Santos e Diego Hypólito, brilhando na cobertura da TV Globo. Entre vários acertos, o Jornalismo também erra, mas é errando que se aprende.