Por Hyader Epaminondas

Há dores que não cicatrizam, apenas se metamorfoseiam em algo que assombra, que respira junto e molda cada gesto. Faça Ela Voltar mergulha nesse território em que o luto deixa de ser ausência para se tornar presença constante, sufocante. Não é apenas sobre perder alguém, mas sobre recusar a realidade dessa perda e, neste ato, abrir espaço para que o vazio assuma uma forma sinistra.

Esse vazio se amplia dentro de um suspense que equilibra com precisão a violência explícita e o mistério do gênero de filmagens encontradas. O recurso, que remete a fitas de videocassete e narrativas sobrenaturais quase documentais, cria uma atmosfera onde o tangível e o inexplicável coexistem, dando ao filme uma fluidez inquietante que desafia a percepção.

Uma casa como organismo vivo

Sob a direção inquieta dos irmãos Philippou, responsáveis pelo excelente Fale Comigo (2023), a narrativa abandona o conforto do previsível para se instalar em um espaço que é quase personagem por si só. A casa, com sua arquitetura carregada de silêncios e zonas de penumbra, funciona como extensão da mente de sua proprietária: um espaço saturado de memórias e rituais, onde cada porta vazia parece esconder uma lembrança presa numa constante de angústia, e cada corredor guarda um sussurro afogado por um silêncio.

A fotografia aposta em tons gélidos e opacos, interrompidos por lampejos de luz quente que não oferecem consolo, apenas acentuam o contraste entre a vida que resiste e a morte que domina o ar. É como se o cheiro da chuva impregnado na tela fosse projetado pelo inconsciente dos personagens, carregando cada quadro de densidade emocional.

O grande acerto dos Philippou está em transformar a deficiência visual da protagonista não apenas em recurso narrativo, mas em metáfora de um olhar incompleto sobre o mundo. Sua visão borrada, feita de vultos e contornos imprecisos, sugere tanto a fragilidade da percepção quanto a abertura a uma dimensão que escapa à lógica. Já a antagonista, em contrapartida, sofre de outra cegueira: a visão afunilada pelo luto, que a impede de enxergar qualquer horizonte além da própria dor. Esse contraste dá ao filme uma camada simbólica poderosa: de um lado, a limitação que abre espaço para o desconhecido; do outro, a fixação que reduz tudo a uma ausência irreparável.

O resultado é uma cinematografia sensorial, que nos força a permanecer no espaço da cena, partilhar a deterioração emocional como se estivéssemos aprisionados nela. O horror aqui nasce não do choque súbito, mas da insistência: a câmera insiste em mostrar a dor como se fosse um produto corriqueiro, embalado e oferecido. Só que, em vez de vender prazer imediato, o que se comercializa é a permanência da perda.

Como Laura, Sally Hawkins entrega uma interpretação que não busca ser compreendida racionalmente, mas absorvida como sensação. Cada inflexão de voz, cada silêncio e cada olhar carregam o eco de um amor que insiste em sobreviver, mesmo quando já não encontra objeto real. É uma presença que oscila entre ternura e ameaça, como se a própria maternidade tivesse sido contaminada pelo luto. Hawkins transforma sua personagem em uma figura paradoxal: ao mesmo tempo porto de abrigo e tempestade inevitável.

Ao seu redor, Billy Barratt e Sora Wong, como os irmãos Andy e Piper, funcionam como reflexos do dilema central. Presos a uma figura materna que confunde cuidado com controle, afeto com posse, eles encarnam a fragilidade da inocência diante de uma força que deveria proteger, mas ameaça engolir. Enquanto buscam segurança em meio às suas próprias fragilidades individuais e ainda vivem o luto do pai, tornam-se testemunhas de como o amor, quando distorcido pela perda, pode assumir a forma de prisão.

O contraste entre a pureza das crianças e a visão estreita da mãe adotiva mantém a tensão em suspenso até que já não distinguimos se presenciamos um gesto de proteção disfarçado de manipulação emocional ou um ato de pura destruição. É nesse ponto que o suspense encontra seu ápice com o jovem Jonah Wren Phillips, que, como Oliver, entrega uma atuação quase muda. Sustentado pela expressividade física e pelos efeitos práticos, ele constrói uma presença inquietante, que diz mais na ausência de palavras do que muitos gritos poderiam expressar. Sua figura permanece suspensa no ar, como um espectro que se recusa a partir, prolongando o terror muito além dos créditos e insinuando que o verdadeiro assombro começa quando a tela já está escura.

O peso insuportável da presença ausente

Mais do que explorar o gênero de invocação de espíritos, Faça Ela Voltar constrói um caminho em que o sobrenatural se mistura a uma denúncia social. O terror que nasce da presença invisível também é o terror da ausência concreta: a ausência de cuidado, de proteção e de amparo. Os lares de adoção, que deveriam ser refúgios seguros, surgem aqui como espaços atravessados pelo abandono institucional, pela negligência e pelo descaso de um Estado incapaz de proteger aqueles que já perderam tudo.

Esse terreno frágil não apenas expõe falhas estruturais, mas reproduz e perpetua ciclos de violência doméstica, feitos de silêncios e agressões invisíveis que deixam marcas profundas, frequentemente ignoradas pela sociedade. É nesse contexto brutal que o filme encontra sua face mais perturbadora: o luto que se recusa a se resolver não permanece no plano íntimo, mas se espalha em novas formas de dor, seja na violência repetida, no medo que se infiltra dentro da casa ou no vazio que grita em silêncio.

Ao subir dos créditos, somos contaminados por uma melancolia persistente desse drama, inquietados pela sensação de que os horrores filmados pelos irmãos Philippou, ainda que revestidos de fantasia, poderiam facilmente ser reflexos de uma realidade que preferimos não encarar.