Exclusivo: Kleber Mendonça Filho e o cinema artesanal
Cineasta recifense conversou com a Cine NINJA durante sua passagem pela 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Por Lilianna Bernartt
Pós mesa de debate cujo tema era temporalidade no cinema brasileiro contemporâneo, Kleber Mendonça Filho brincou em seu Instagram: “não sei o que eu falei, mas eu falei”.
Na verdade, ele tinha acabado de embarcar em uma – das muitas que participa – discussões e papos acerca da projeção do futuro do cinema brasileiro.
Aliás, se tem uma coisa que rende nos encontros com Kleber são ótimos papos sobre cinema. O cineasta é presença constante em mesas de debates, bate papos – presencial ou online – não só no que envolve sua obra, mas no que diz respeito ao pensar coletivo do futuro da cultura e do cinema brasileiro.
Dentro desse “pensar o cinema”, o cineasta afirma que “filmes são como peças de artesanato, independente de orçamento ou tempo”. Nesse sentido, é possível observar a estrutura artesanal da obra de Kleber, desde o processo de produção e montagem de seus curtas metragens até os seus mais atuais filmes, como Retratos Fantasmas.
A temporalidade é uma questão que engloba uma gama considerável de aspectos de discussão. Podemos considerar o tempo cronológico, o tempo métrico da produção cinematográfica (curta metragem, média ou longa metragem), ou ainda, no que diz respeito ao recorte e retrato de uma época, à medida em que você se depara com diferentes meios de forma de vida e de cotidiano, bem como, do retrato do fazer cinematográfico, em termos de inovação de equipamento e tecnologia.
Entretanto, em meio a todas essas possibilidades de discussão, o que se ressalta é a autoralidade, no sentido de que o artesanato cinematográfico, apesar de estabelecido em seu tempo e espaço, só atravessa essa linha por conta da autoralidade, ou seja, da inovação ou relevância, não só da linguagem cinematográfica, mas também do discurso.
Quanto a isso, Kleber valida justamente filmes “feitos à mão”, que conseguem fugir de protocolos cada vez mais estabelecidos por uma das indústrias mais diretamente impactadas pela tecnologia. Com o avanço da tecnologia, com a criação de streamings, novas formas e protocolos surgem, o que, ao mesmo tempo em que colaboram para o acesso do público às produções, por outro lado, acabam por gerar uma leva de filmes similares e estatísticos, que seguem fórmulas algorítmicas.
Em meio a fórmulas pré-existentes, a busca pela autoralidade se torna cada vez mais valiosa. Sobre isso, Kleber diz: ‘Pra mim hoje, o que mais me chama atenção quando eu vejo um filme, é tentar entender se esse filme foi feito com as ideias mais originais e com o jeito mais incomum, e que mesmo que ele não seja incomum – não é que ele tem que ser estranho – mas é que ele tem que ter uma certa personalidade”.
Bingo. Personalidade é sinônimo de autoralidade cinematográfica. Parece óbvio, mas de novo, eis uma questão que apresenta uma gama de pontos relevantes. A autoralidade se ramifica em diversas camadas, que nos leva ao início deste texto – ideia, discurso, soluções criativas e reflexivas, que nem sempre se traduzem em pirofagias cinematográficas. Um dos grandes exemplos citados na conversa que tivemos com Kleber, é o cinema de André Novais, um dos homenageados da 27ª Mostra de Tiradentes, que a partir de um olhar próprio e íntimo acerca do cotidiano, consegue propor reflexões existencialistas de forma amplificada. E o cinema é exatamente um exercício cultural, ferramenta que retrata, provoca a reflexão individual e social, como coletivo. Por isso, outra questão conectada de forma intrínseca a esta discussão são as salas de cinema.
Nossas salas de cinema são tomadas, em sua grande maioria, por blockbusters, que dominam os horários e salas de exibição. No que diz respeito ao circuito popular, o cinema nacional tem sua difusão através de empresas-empreendedoras culturais que resistem e valorizam o protagonismo do cinema nacional.
Salas de cinema são criadas com a implementação de tecnologias imax, óculos 5D (se não existe, já tô lançando agora), Dolby Atmos, tecnologias que melhoram e amplificam a experiência cinematográfica do espectador, mas que são incoerentes com a realidade da nossa produção cinematográfica. São pouquíssimas produções nacionais, por exemplo, que são produzidas com a integralidade da tecnologia de som Dolby Atmos.
Não estamos falando de desincentivar a criação de salas, quaisquer que sejam, mas sim, do incentivo da criação, propagação, de salas de cinema que persigam e promovam o encontro do público brasileiro à sua própria produção, seja pela proliferação do número de salas que exibam conteúdo nacional de forma amplificada – não só de filmes com apelo popular – seja pela amplificação das janelas de exibição, enfim, são muitos os pontos passíveis de discussão. Fato é que o cinema é uma das ferramentas sociais mais potentes para nós pensarmos como indivíduos e como coletivo, de forma que o incentivo e acesso a este tipo de exercício social deve ser incentivado, visando nossa identificação.
“A gente precisa parar de se sentir estrangeiros nos nossos cinemas”.
Em suma, é necessário que o Brasil se reconheça nas próprias telas.
Leia mais:
https://midianinja.org/news/a-simplicidade-grandiosa-do-cinema-de-andre-novais/
https://midianinja.org/news/barbara-colen-uma-atriz-que-rege-o-seu-proprio-tempo/