Estudo mostra relação entre agronegócio e taxas de câncer no Mato Grosso
Pesquisa da UFMT aponta que municípios com alta incidência de câncer também são grandes produtores de commodities com mão de obra sem instrução para manejo de agrotóxicos
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) aponta diversos municípios do estado de Mato Grosso com alta incidência de casos de câncer. No estudo, os pesquisadores ressaltam que a maioria destes municípios mato-grossenses são grandes produtores de commodities agrícolas para exportação e concentram um grande contingente de pessoas envolvidas na agricultura e pecuária, com um menor grau de instrução – dificultando o manejo adequado de agrotóxicos – e maior exposição ocupacional e ambiental e esses produtos.
O estudo, denominado “Ambiente, saúde e agrotóxicos: desafios e perspectivas na defesa da saúde humana, ambiental e do(a) trabalhador(a)”, tem por objetivo tratar do cenário atual das contaminações por agrotóxicos no ambiente, nas águas, nas populações e classe trabalhadora; os desafios para atuação do poder judiciário e do Ministério Público e a produção de uma vigilância popular; as contribuições de saberes plurais, ancestrais e originários para o enfrentamento da realidade de destruição socioambiental analisada.
Em um trecho, os pesquisadores questionam o forte apelo em torno do agronegócio, com discursos que defendem a atividade como sendo o melhor negócio para seus países, apresentando alta do Produto Interno Bruto (PIB) e avanços tecnológicos como algumas de suas vantagens.
“De fato, o Brasil é um dos maiores produtores agropecuários do mundo e o segundo maior exportador de commodities, mas a que custos social e ambiental?” pergunta o estudo.
Caso do Mato Grosso
Em maio deste ano, a Mídia NINJA fez uma matéria onde apontou o estado do Mato Grosso como, além de ser o maior produtor do agronegócio do país, também o que mais sofre com acidentes envolvendo agrotóxicos, criando um mercado que é completamente dependente do veneno para que possa ser produtivo.
“Eu chamo esse modelo econômico de modelo químico dependente de fertilizante. Isso leva ao risco sanitário, alimentar, ambiental. É claro que Mato Grosso é campeão nacional de produção de soja, de milho, de algodão, mas também é campeão nacional de consumo de agrotóxico”, destacou o professor Wanderlei Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso.
Acidentes de trabalho
A publicação da UFMT aponta para outro dado importante: o estado do Mato Grosso é também campeão nacional de incidência de acidentes e mortes no trabalho, dos quais 70% estão relacionados ao agronegócio (agropecuária, frigoríficos, usinas de açúcar/álcool, madeireiras e transporte/silagem).
“Em 2020, por exemplo, o Brasil plantou 75,6 milhões de hectares de lavouras em 21 dos maiores tipos de cultivos, nos quais foram pulverizados um total de 1,2 bilhão de litros de agrotóxicos (produtos formulados de herbicidas, inseticidas e fungicidas) e usados 7 bilhões de quilogramas de fertilizantes químicos. Destes agrotóxicos, 15% eram extremamente tóxicos, 25% altamente tóxicos, 35% medianamente tóxicos e 25% são pouco tóxicos na classificação de toxicidade aguda para humanos”, diz o estudo.
Os pesquisadores mostram que a contaminação por esses venenos se dá pela maneira que são manuseados, sendo mecanizados ou não, além da contaminação no próprio consumo.
Mais tarde, eles associam também o agronegócio a incidências de câncer no estado. De uma forma geral, os autores do artigo observaram que as maiores taxas da doença ficaram concentradas em municípios das partes Norte, Centro e Sul do estado.
E concluem que “A exposição ambiental e ocupacional por agrotóxicos pode estar relacionada, pois os municípios da região Norte, Centro e Sul do estado com maior concentração de casos são também os maiores produtores agrícolas do Centro-Oeste e com alto consumo de agrotóxicos.”
Em outro estudo chamado “Câncer infantojuvenil: nas regiões mais produtoras e que mais usam agrotóxicos, maior é a morbidade e mortalidade no Mato Grosso”, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso, foi mostrado que durante os oito anos nos quais a pesquisa foi realizada, o estado do Mato Grosso registrou mais de 10,9 mil internações por câncer infantojuvenil, sendo que 30% são crianças de 0 a 4 anos. Além disso, 406 pessoas de 0 a 19 anos morreram por câncer, dos quais 30,7% foram adolescentes e jovens de 15 a 19 anos.
As leucemias foram os tipos de câncer mais presentes entre os pacientes internados, correspondendo a 50,2% dos casos. A leucemia linfóide (quando surge um linfócito imaturo e danificado na medula óssea) causou 37,2% das mortes.
O estudo observou correlação positiva entre o uso médio de agrotóxicos em litros e a média de mortes e internações por câncer infantojuvenil.
O estudo “Ambiente, saúde e agrotóxicos: desafios e perspectivas na defesa da saúde humana, ambiental e do(a) trabalhador(a)” pode ser encontrado no link : EBOOK_Ambiente-saude-e-agrotoxicos.pdf (pedroejoaoeditores.com.br)