“Estranho Familiar”, com Efe Godoy
A entrevistada da semana para o #ArtistaFOdA é Efe Godoy, 1988, artista visual míope, transgênere que pesquisa hibridismo em suas variadas linguagens com ênfase em recortes de memórias da infância e fabulações espontâneas.
Por Amanda Olbel / @planetafoda
A entrevistada da semana para o #ArtistaFOdA é Efe Godoy, 1988, artista visual míope, transgênere que pesquisa hibridismo em suas variadas linguagens (vídeo, desenho, performance), com ênfase em recortes de memórias da infância e fabulações espontâneas. Oriunda de Sete Lagoas, interior de Minas Gerais, diz nunca ter tido dúvidas de que iria ser artista, e inclusive, quando era mais nova, ao se reunir com os primos, tentava confabular peças de teatro para apresentarem para a família no final do dia. Efe também nos revela um acontecimento um tanto místico que lhe ocorre durante a infância, aos sete anos de idade, em uma viagem de férias no Rio de Janeiro. Sua primeira vez olhando o mar, eis que se aproxima uma senhora chamada Carmen, e pede para ler a palma de sua mão, e logo após profere à criança: “Você será artista”; e isso a acompanha até então.
Hoje vive e trabalha em Belo Horizonte, tendo estudado na Escola Guignard e Universidade do Estado de Minas Gerais. Continua sua formaçao através de vivências em residências no Brasil e exterior. Algumas dessas vivências transformadoras se deram nos ultimos anos, como Bolsa Pampulha 2015/2016, a residência artística no EAC- Montevideo_UY em 2018, residência Adelina SP, 2018, e recentemente a Hemiencuentro Instituto Hemispheric NY University na Cidade do Mexico, 2019, e Mostra VERBO de performance Arte na Galeria Vermelho – SP. De 2009 até 2016, Efe Godoy, também trabalhou como vocalista da banda de rock Absinto Muito, fazendo diversos shows ao redor do país.
Flutua dentro de várias áreas, por gostar de ser uma artista multidisciplinar, atua no desejo de demostrar essa liberdade, pela qual preza tanto, junto dessa multiplicidade interna que carregamos. Efe conta que trabalha muito no espectro do fazer, produzido algo todos os dias, mesmo naqueles em que a criatividade se encontra menos presente, até um rabisco repetido em um caderno pode servir de inspiração para um projeto futuro, já que de acordo com a própria, nada é por acaso.
“Tudo que produzo tem um viés sentimental, intuitivo e sensitivo mesmo: estou atrás das urgências da vida. Não penso muito conceitualmente antes das coisas acontecerem, e sim no momento que estão acontecendo, ou posterior ao acontecimento. Porque assim que as ideias começam a decantar, com uma distância maior do fato, conseguimos entender melhor as coisas, a proximidade as vezes dificulta esse entendimento.”
Em 2019 fez uma exposição na galeria que a representa hoje, Galeria Celma Albuquerque, e na ocasião se tornou residente do espaço, levando junto de seus pertences artísticos para morar dentro da galeria. Explica ter sido uma experiência mágica, na qual teve a oportunidade de produzir a exposição intitulada de “Estranho Familiar”, alinhada a um conceito de hibridismo onde os corpos podem ser uma mistura, e que se torna mais enfática quando seres diferentes como animais, plantas, humanos e objetos se metamorfoseiam juntos. Manifesta ter grandes influências da literatura fantástica como, “Livro dos seres Imaginários” do argentino Jorge Luis Borges, e “Contos Fantásticos” do mineiro Murilo Rubião.
“Fabular essas histórias para mim tem sentido porque acho que tudo é natureza. De certa forma até o plástico poderia ser considerado natureza, por ter sido feito aqui neste mundo, neste planeta. E se nada se cria, vai apenas se transformando, tudo é natureza. […] Me interesso bastante por entender o que acontece dentro da nossa cabeça quando não estamos alertas, sonhando ou dormindo, e é muito mágico entender que não podemos controlar tudo e esse lugar da falta de controle, de não pensar muito sobre tudo, é o que a deixa com a sensação de liberdade. Dai que nasce tudo, relativo à minha produção”.
A artista fala sobre sua relação com as energias, e conta que nesse processo de morar na galeira, durante a “Estranho Familiar”, percebia um poder de atração das imagens que ela mesmo havia feito, e reparou o público observar durante mais tempo, os desenhos que sentia ter dado mais energia, produzidos em momentos nos quais ela estava feliz, “explodindo de energia”. Diz também acreditar com certo grau de certeza, que existe um magnetismo em cada obra, e que temos esse potencial de transpassar a energia, junto de uma intenção, para um desenho, que a partir de então se torna uma capsula energética que se mantém emanando durante tempos e tempos. Como se a energia na realidade fosse do próprio desenho, tendo nascido dela nesse momento mágico, portanto filho dessa energia.
“É muito difícil falar da gente, né? É mais fácil falar de alguém que vemos fora dese corpo, mas acredito que essas vontades todas de entender o mundo que existe dentro da gente é uma vontade de entender o outro também.”
Evidencia ter muitas inspirações artísticas para poder estar criando, e utiliza a expressão “inspirações flutuantes”, por serem momentâneas e acontecerem através de algum estudo, ou consumo de conteúdo. Seja através da literatura, do cinema e da música, vai juntando um pouco de todas essas linguagens para intuir o desenho, e sensações para expressar o que irá de surgir. Recentemente tem escutado muito Connan Mockasin, Ana Frango Elétrico e Luiza Brina. Já no cinema, adora os filmes do Wes Anderson, por achar que carrega toda essa magia através das cores e os objetos, com tudo a sua volta. E dentro da arte contemporânea os grandes Lygia Clark e Helio Oiticica, que criaram esse mundo onde tudo é possível, assim como Frida Kahlo, artista mexicana com a qual inclusive tem uma relação do gestual do traço do desenho muito próxima, e carrega uma de suas obras tatuadas no corpo “O veado ferido”.
Vemos em sua existência como artista o uso da cor rosa muito presente, seja em suas pinturas em aquarela, na escolha de suas roupas, e nos objetos de sua casa. Ela comenta sobre:
“Acho que o rosa vem de um lugar que é um encontro com a Efe criança. Sinto que minha infância, foi de uma criança viada, mas não tão escancarada, por conta de tios, pai, homens da família que ainda me privavam de ser quem eu realmente sou. E hoje com toda liberdade, uma mulher, uma pessoa que sou, consigo pagar minhas contas, viver do que faço, então posso ter as escolhas que me são mais cara, uma delas é poder ostentar esse rosa, e dizer ‘olha essa é uma cor que eu gosto’. Gosto também muito do azul, gosto também de compreender que essas são cores de uma bandeira trans, junto do branco. Ainda estou entendendo o que pode ser isso.”
Durante a quarentena criou uma canal no Youtube, onde tem dividido sua vida com o mundo postando um vídeo poético todo mês, que lhe permite reunir todas as linguagens da música, performance, o desenho e os desejos de hibridizar tudo.
Efe Godoy compartilha seu trabalho através de seu perfil do instagram @efegodoy, além de seu novo canal do Youtube com vídeos de seu processo. Para ficar por dentro dos próximos artistas FOdA’s, siga nossa página @planetafoda, onde publicamos novidades do universo da arte LGBTQIA+ todas as quintas-feiras.