Esquema de fake news sobre ‘kit gay’ no Norte de Minas é desmontado após denúncias
Gráfica em Montes Claros foi flagrada produzindo e distribuindo material que associava ao governo do PT com distribuição do “kit gay”
Na última segunda-feira (24), uma gráfica em Montes Claros (MG) foi flagrada produzindo e distribuindo material que associava ao governo do PT a distribuição do “kit gay” nas escolas. A denúncia pública foi feita pela deputada estadual reeleita, Leninha, junto à vereadora da cidade, Iara Pimentel. Segundo elas, a Polícia Federal e Militar já foram informadas, os responsáveis pela distribuição já foram detidos e todo o material utilizado já foi apreendido, mas ainda não se sabe se a ação foi financiada por recursos públicos ou privados.
“Nós seguimos na luta defendendo a democracia, defendendo a verdade, defendendo uma eleição limpa!”, afirma a vereadora no vídeo.
A ocorrência foi registrada na segunda-feira (24/10) e encaminhada à Polícia Federal, que instaurou inquérito para apurar os fatos. No material que estava sendo produzido na gráfica é solicitado que as pessoas não votem no Partido dos Trabalhadores, e sim, no 22, número do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), rival do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno.
O panfleto apresenta um diálogo fantasioso entre mãe e filha no qual a criança chega da escola dizendo que a professora lhe disse que é possível escolher se ela quer ser menino ou menina. A situação hipotética é associada à ideia de “ideologia de gênero” atribuída de forma indevida aos governos do PT e à candidatura de Lula.
O deputado federal reeleito Paulo Guedes também denunciou o flagrante em suas redes, com vídeos dos panfletos sendo distribuídos, segundo o próprio deputado, por pessoas humildes que foram pagas para isso.
O advogado à frente do caso, Edmo de Oliveira, afirma que já existe um inquérito aberto na Polícia Federal fazendo a apuração dos detalhes, desde quem mandou confeccionar até a origem do dinheiro, embora ninguém tenha sido preso até o momento.
“Trata-se de um crime eleitoral, com divulgação e distribuição de propaganda eleitoral ilegal, sem CNPJ, sem coligação partidária e com mentiras e fake news”, afirma o advogado. “São várias consequências, desde multa, prisão e até cassação dos direitos políticos”, afirma.
Campanha de mentiras
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as denúncias de fake news cresceram em 1.671% em comparação a 2020. Segundo o presidente do Tribunal, Alexandre de Moraes, a disseminação de notícias falsas no segundo turno aumentou consideravelmente. Diante disso, a CDR, Coalizão Direitos na Rede, pensa em estratégias de combate à desinformação nessa última semana de 2º turno. A divulgação de informações falsas durante a campanha eleitoral é crime, sob pena de detenção ou multa, segundo o artigo 323 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965).
Origem da fake news
Nos panfletos distribuídos havia a interpretação do que seria o “kit gay” defendido por bolsonaristas, através de um diálogo entre uma criança e sua mãe, onde a menina afirmava estar aprendendo na aula de biologia que podia escolher se queria ser homem ou mulher. Para “validar” a história inventada, o material ainda associa a interpretação ao governo do PT, usando como base o projeto Educação sem Homofobia, que de fato existiu, mas em um contexto totalmente diferente do defendido no material.
Em 2004, o governo federal lançou o programa Brasil sem Homofobia, pelo combate ao preconceito e a violência contra a comunidade LGBT. Uma das propostas, incentivava o papel dos educadores, levando para as escolas conteúdos relacionados à educação sexual e questões de gênero.
Em 2011, quando o material já estava pronto para começar a circular, setores conservadores protestaram contra o projeto, que ficou pejorativamente conhecido como “kit gay”, acusado de ser um incentivo a homosexualidade. Diante da pressão da oposição, o projeto não teve continuidade e nunca foi colocado em prática.
Caso recorrente
Nas últimas eleições presidenciais, em 2018, essa mesma fake news teve grande repercussão, quando bolsonaristas apontavam o “kit gay” como parte do projeto de governo do PT, na época representado por Fernando Haddad. Naquele ano, o número de buscas do significado da expressão pejorativa na internet chegou a bater o recorde de 2011, quando o assunto surgiu. A publicação mais compartilhada na época foi do próprio Bolsonaro, que costumava chamar Haddad de “pai do kit gay”. O TSE determinou a retirada de todos os vídeos e publicações falsas, incluindo as de Bolsonaro e de seus filhos.
Mais recentemente, no último mês, apoiadores do presidente Bolsonaro, incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro, mais uma vez compartilharam nas redes propagandas eleitorais que vincularam o partido do PT à distribuição do “kit gay” nas escolas. Como consequência, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral, acusando-as de serem falsas, ordenou a retirada das propagandas do ar, sob pena de multa de R$5 mil por dia.
Estratégias eleitorais que têm como base mentiras representam não apenas um crime eleitoral, como também uma ameaça ao direito à liberdade de voto e de escolha. Acima de tudo, independente do partido político, o mínimo que se espera é a defesa pela veracidade dos fatos e propagandas eleitorais que façam jus à seriedade e importância desse momento para o país. Afinal, o combate à desinformação é um pré-requisito para a defesa da democracia.