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A MORTE DA PAJÉ TUPINAMBÁ E O CANTO FINAL
Pajé Luiza Tupinambá, Aldeia Marabaixo, Resex Tapajós-Arapiuns (PA)
A Pajé Luiza Tupinambá, 83 anos, do povo Tupinambá, da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns (Resex Tapajós-Arapiuns), que, após atuar na linha de frente da 1ª fase da pandemia, acabou sendo contaminada com Covid-19, vindo a óbito. Agora, a Aldeia de Marabaixo não conta mais com os conhecimentos tradicionais da anciã e os indígenas estão em busca de uma sucessora. Uma amiga de Luíza é a principal candidata a assumir a pajelança na aldeia.
A MORTE
O que silencia quando uma Pajé morre? Mais do que um/a líder espiritual, a/o Pajé para muitas aldeias/comunidades indígenas do Brasil é sinônimo da única oportunidade de cura para as enfermidades físicas e espirituais. O desaparecimento dessa entidade pode causar um desequilíbrio avassalador, o vazio, o silêncio, a morte. Esse é o sentimento que margeia a Aldeia Marabaixo, do povo Tupinambá, localizada em uma pequena enseada na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no oeste do Pará, que ainda vive o luto da Pajé Luiza Tupinambá.
Em março de 2020, Marabaixo, com pouco mais de 50 famílias, viu desfalecer por covid-19, sem nenhuma possibilidade de acesso à cura, a anciã e pajé da aldeia. Luiza Tupinambá, 83 anos, era uma importante líder para o seu povo. Hoje o país se encontra na triste cifra dos mais de 500 mil mortos e 1.071 indígenas mortos por covid-19, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Vítima da desassistência de saúde do atual governo, Luiza faleceu em sua casa, logo após voltar de Santarém, cidade mais próxima da aldeia, com todos os sintomas da doença até então desconhecida. Ela ia uma vez por mês à cidade para ter acesso ao auxílio que recebia do INSS.
“Ela sentiu os sintomas e ainda não tinham’ vindo nenhuma equipe pra fazer teste nas comunidades e aldeias. Só passava no rádio dizendo ‘qual’ eram os sintomas da covid e nós ‘suspeitemo’ que poderia ser a covid”, explica o Cacique da Aldeia Marabaixo, Genildo Tupinambá.”
VAZIO
Foi no lapso de apenas uma semana que Luiza faleceu sem receber qualquer atenção médica básica. Segundo o Cacique Genildo, quando a Pajé começou a apresentar os primeiros sintomas, os leitos hospitalares estavam ocupados em Santarém, e ela resolveu usar todos os seus conhecimentos para se curar em casa. Luiza fez o remédio natural com base em uma planta nativa, o Kumaru, ensinou aos seus e logo após não resistiu ao vírus. Na mesma semana da sua morte, toda a comunidade se contaminou. Por ironia do destino, até hoje, a Pajé foi o único óbito da sua aldeia.
“Todo mundo aqui foi abalado, todos caíram (foram contaminados) e foi uma situação difícil pra gente enfrentar essa doença justamente em relação de socorro. Aí que ‘entrou’ as ervas medicinais que os nossos pajés ensinaram pra nós, justamente a nossa pajé Luiza, que foi vítima, ensinou pra nós usar o remédio”, afirma o Cacique sobre o uso da medicina tradicional para auxiliar no tratamento da covid-19.
A ENTREGA
Antes de falecer, a pajé Luiza chamou outra pajé de Marabaixo, sua xará e companheira de cura, a Pajé Iza, e lhe entregou o seu cocar de penas, que sempre usava na cabeça em seus rituais de cura, e o maracá, instrumento que tocava para os encantados, espíritos curandeiros para os Tupinambás.
“ Ela disse assim: ‘Mana, eu já passei por ali com esse cocar e esse xeque xeque (maracá) e eu vou te entregar’. Eu disse: ‘Por que já, Luiza?’. Aí ela disse: ‘Eu tô te entregando’. Foi a semana que nós ‘viajemo’ pra Santarém”. Conta Pajé Iza, sobre o último diálogo que tiveram antes de ambas serem contaminadas pela covid-19.
“ Ela disse assim: ‘Mana, eu já passei por ali com esse cocar e esse xeque xeque (maracá) e eu vou te entregar’. Eu disse: ‘“O que ela deixou pra nós ‘foi’ as lembranças, as culturas, os ensinamentos e os incentivos que ela deixou pra nós. Assim como ela usava, ela também ensinava como era que a gente deveria fazer, como era o caminho.”, conta, com nostalgia
Pajé Iza.
Marabaixo, o ritmo que dá nome à aldeia
A história da Aldeia é ligada à música e cantos que os espíritos encantados faziam em uma enseada perto dali. A falecida Pajé Luiza era a única da comunidade que sabia os cânticos dos encantados e que batucava em um pequeno tambor. Ela ensinou alguns deles para a sua aldeia, outros foram silenciados com ela. Os pequenos trechos das músicas que ficaram povoam a comunidade, e a memória de luta incentivada pela Pajé Luiza se transformou em um canto incessante para Marabaixo. Um canto que pulsa de dentro.
O CANTO
A Aldeia Marabaixo não é reconhecida formalmente pelo processo de demarcação da Fundação Nacional do Índio. Mas, contrariando os discursos proferidos por Jair Bolsonaro de que “não terá um centímetro quadrado demarcado” no Brasil durante o seu governo, Marabaixo, junto com as 21 aldeias Tupinambás no Baixo Tapajós, está participando ativamente do processo de autodemarcação do território, o qual eles chamam “Nação Tupinambá”. Desde 2017, de maneira autônoma, os Tupinambás estão organizados para demarcarem a extensão total de 350 mil hectares de território. Pajé Luiza participava ativamente do movimento de autodemarcação.
“ Ela disse assim: ‘Mana, eu já passei por ali com esse cocar e esse xeque xeque (maracá) e eu vou te entregar’. Eu disse: ‘Por que já, Luiza?’. Aí ela disse: ‘Eu tô te entregando’. Foi a semana que nós ‘viajemo’ pra Santarém”. Conta Pajé Iza, sobre o último diálogo que tiveram antes de ambas serem contaminadas pela covid-19.
A história da Aldeia é ligada à música e cantos que os espíritos encantados faziam em uma enseada perto dali. A falecida Pajé Luiza era a única da comunidade que sabia os cânticos dos encantados e que batucava em um pequeno tambor. Ela ensinou alguns deles para a sua aldeia, outros foram silenciados com ela. Os pequenos trechos das músicas que ficaram povoam a comunidade, e a memória de luta incentivada pela Pajé Luiza se transformou em um canto incessante para Marabaixo. Um canto que pulsa de dentro.