Erros na prova da OAB, censura e falta de explicações por parte da FGV
Examinados da segunda fase de constitucional do exame XXII da OAB, elaboraram um parecer em conjunto com mais de 30 profissionais da classe, dentre eles professores, advogados, doutrinadores e procuradores, em favor do reconhecimento do gabarito duplo da peça de Constitucional. Os examinados aguardam a resposta do Conselho Federal da OAB, que não se manifestou […]
Examinados da segunda fase de constitucional do exame XXII da OAB, elaboraram um parecer em conjunto com mais de 30 profissionais da classe, dentre eles professores, advogados, doutrinadores e procuradores, em favor do reconhecimento do gabarito duplo da peça de Constitucional.
Os examinados aguardam a resposta do Conselho Federal da OAB, que não se manifestou sobre a reprovação dos candidatos que elaboraram Mandado de Segurança Coletivo e tiveram suas peças corrigidas.
Segundo os Examinados, cerca de 67 pessoas tiveram suas peças corrigidas e constavam na primeira lista como aprovados, logo após um comunicado turvo da banca, uma nova lista foi publicada reprovando os candidatos já aprovados com MSC.
Ainda segundo os examinados, por diversas vezes foram solicitadas informações a banca FGV e ao Conselho Federal da OAB, que se recusam a responder suas alegações. Alegam ainda sofrer censura nas redes sociais, tendo seus comentários apagados.
Escrito e publicado por Rodrigo Padilha
“No último Exame de Ordem, a Banca de Constitucional cometeu, ao meu ver, um equívoco. Esse equivoco causou prejuízo a alguns examinandos. Sempre me manifestei contra situações como essa, por isso, o respeito à instituição que aplicou a prova, não pode calar o meu compromisso de alertar para o erro.
Pensando nisso, eu e o Professor Marcelo Galante fizemos um parecer para ajudar aos examinandos, que nunca ficaram ou ficarão desamparados diante de injustiças, enquanto eu estiver vivo e atuante!
Sempre me orgulhei da banca de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, em todos esses anos de aplicação do exame, nunca ter realizado injustiças e tenho certeza que dessa vez não será diferente.
Sendo assim, aos examinandos que optaram por Mandado de Segurança Coletivo e à banca examinadora Fundação Getúlio Vargas, segue nosso parecer:
EMENTA CONSTITUCIONAL
EXAME DE ORDEM
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5, I CRFB/88
RELATÓRIO
O presente parecer é decorrente de consulta realizada pelos examinandos da 2ª fase de Direito Constitucional do XXII Exame de Ordem.
Segundo os fatos, a peça pratico profissional assim dispôs: “Servidores públicos do Estado Beta, que trabalham no período da noite, procuram o Sindicato ao qual são filiados, inconformados por não receberem adicional noturno do Estado, que se recusa a pagar o referido benefício em razão da inexistência de lei estadual que regulamente as normas constitucionais que asseguram o seu pagamento. O Sindicato resolve, então, contratar escritório de advocacia para ingressar com o adequado remédio judicial, a fim de viabilizar o exercício em concreto, por seus filiados, da supramencionada prerrogativa constitucional, sabendo que há a previsão do valor de vinte por cento, a título de adicional noturno, no Art. 73 da Consolidação das Leis do Trabalho. Considerando os dados acima, na condição de advogado(a) contratado(a) pelo Sindicato, utilizando o instrumento constitucional adequado, elabore a medida judicial cabível. (Valor: 5,00) “
O gabarito apresentado pela banca de Direito Constitucional apontou como correta a peça de Mandado de Injunção Coletivo.
Ocorre que, em 20 de junho de 2017 foi publicado no site da Fundação Getúlio Vargas o resultado preliminar e alguns examinandos que fizeram Mandado de Segurança Coletivo tiveram suas peças corrigidas e foram aprovados, com seus nomes e notas sendo publicados no site da Banca FGV, enquanto outros examinandos do mesmo certame, que fizeram a mesma petição, qual seja, Mandado de Segurança Coletivo, não tiveram suas provas corrigidas, por erro na identificação da peça prático-profissional e, por isso, obtiveram grau 0,0.
No dia 21 de junho de 2017, ao tomar conhecimento dos fatos, a coordenação Nacional do Exame de Ordem e a Fundação Getúlio Vargas assim dispôs: “A Coordenação Nacional do Exame de Ordem e a Fundação Getulio Vargas, em observância ao princípio da isonomia e ao subitem 5.10.1 do edital de abertura do XXII Exame de Ordem Unificado, resolvem realizar, no prazo de 48h, a revisão das notas atribuídas às peças prático profissionais dos examinandos que optaram pela disciplina de Direito Constitucional do Exame em menção, sendo publicado novo edital de aprovados na referida área, ao final do prazo supracitado. Comunicam ainda que haverá novo prazo recursal, a ser iniciado às 18h do dia 23 de junho de 2017 e encerrado às 18h do dia 26 de junho de 2017, para os examinandos que optaram pela disciplina de Direito Constitucional. O prazo de divulgação do resultado final do XXII EOU, previsto para o dia 4 de julho de 2017, será mantido para os examinandos da disciplina de Direito Constitucional.”
Assim é que, no dia 23 de junho de 2017 a banca divulgou o resultado reprovando os examinandos que haviam aprovado através da petição inicial de Mandado de Segurança Coletivo.
Diante desse cenário, os examinados vieram aos professores de Direito Constitucional que esta subscreve, para saber o posicionamento.
Assim é o relatório, passamos a opinar.
FUNDAMENTAÇÃO
De início, sem delongas, se constata a gritante ofensa ao princípio constitucional da igualdade ou isonomia. O mesmo princípio alegado pela Coordenação Nacional do Exame de Ordem e a Fundação Getulio Vargas no comunicado oficial do dia 21 de junho de 2017.
Como princípio constitucional fundamental, a isonomia jamais, em hipótese nenhuma, poderia ter sido utilizada para prejudicar o titular deste Direito. Como foi atribuída nota zero para os candidatos que já tinham sido aprovados e seus nomes divulgados.
Conforme preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro citando o Professor José Cretela Júnior:
“ Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.
Segundo mesmo autor, os princípios classificam-se em:
a) onivalentes ou universais, comuns a todos os ramos do saber, como o da identidade e o da razão suficiente;
b) plurivalentes ou regionais, comuns a um grupo de ciências, informando-as nos aspectos em que se interpenetram.
Exemplos: o princípio da causalidade, aplicável às ciências naturais e o princípio do alterum non laedere (não prejudicar a outrem), aplicável às ciências naturais e às ciências jurídicas;
c) monovalentes, que se referem a um só campo do conhecimento; há tantos princípios monovalentes quantas sejam às ciências cogitadas pelo espírito humano. É o caso dos princípios gerais de direito, como o de que ninguém se escusa alegando ignorar a lei;
d) setoriais, que informam os diversos setores em que se divide determinada ciência. Por exemplo, na ciência jurídica, existem princípios que informam o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Penal etc.”(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, página 66)
A utilização de princípio da isonomia em prejuízo de terceiros de boa-fé, por uma suposta falha funcional que a própria aplicadora do concurso cometeu, viola a boa-fé bem como o Princípio do alterum non laedere.
A medida de justiça correta e compatível com os ditames constitucionais seria a correção de todas as provas que identificaram o Mandado de Segurança Coletivo como peça correta. Nesse sentido a jurisprudência dos nossos tribunais já se pronunciaram:
“(…) Hipótese em que ambas as provas possuíram a mesma ação, no entanto, uma foi corrigida e a outra não, recebendo nota zero. Configurada a ofensa ao principio da isonomia na correção das provas do Exame da Ordem em comento, razão pela qual deve a Agravada ter sua prova corrigida. Precedente (AC 00137706420104058300, TRF5, Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria, 3ª Turma, unânime, DJe de 27.10.2011) Agravo improvido”.
Ora, ao fundamentar o comunicado com a isonomia, a D. Banca Examinadora jamais poderia ter atribuído nota zero para todos os candidatos, sob pena de utilizar o princípio constitucional em prejuízo de direitos individuais. Atitude inadmissível aos olhos da Constituição.
O correto, em nome do aludido princípio seria corrigir todas as provas que identificaram o Mandado de Segurança coletivo como correto, até mesmo porque é possível seu cabimento no problema proposto.
Ao aceitar o Mandado de Segurança Coletivo como peça cabível ao problema proposto não estaria a aceitar peça incompatível com raciocínio jurídico exigido pela prova. Como se sabe, o enunciado do problema prático cita que os beneficiados pela ordem seriam servidores estaduais, mas não define o regime jurídico.
O silêncio do enunciado não pode significar a absoluta certeza de que os servidores da questão eram ocupantes de cargo público e, portanto, regidos pelo regime estatutário.
Nesse sentido já se decidiu:
“Ementa: RECURSO ORDINÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. A TR é o índice aplicável para a correção monetária dos débitos trabalhistas das pessoas jurídicas de direito privado, nos termos do artigo 39 da Lei nº 8.177/91. Recurso do reclamante não provido. RECURSO ORDINÁRIO. HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. SEXTA PARTE. O texto constitucional demonstra que o Estado de São Paulo, ao assegurar ao servidor público estadual os benefícios da sexta parte, não fez qualquer distinção quanto ao regime jurídico, ressaltando-se que a expressão “servidor” é gênero, do qual “empregado” é espécie. A norma alberga, portanto, tanto os servidores ocupantes de cargos públicos (estatutários) como os admitidos sob vínculo de emprego (celetistas). Infere-se do texto que o legislador, ao usar a expressão “ao servidor público”, assim o fez em sentido lato, uma vez que se quisesse restringir o alcance da norma não a utilizaria, cabendo lembrar que a lei não utiliza palavras inúteis, e, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. Assim, tendo em vista que o benefício pleiteado, da sexta-parte, está calcado no artigo 129 da Constituição Estadual de São Paulo, bem como que o legislador não fez distinção quanto ao servidor celetista ou estatutário, ao assegurar o benefício em questão, há que se reconhecer o direito do reclamante à sexta parte. Recurso da autarquia não provido. TRT-2 – RECURSO ORDINÁRIO RO 00011867620145020005 SP 00011867620145020005 A28 (TRT-2) Data de publicação: 24/02/2015 (GRIFOS NOSSOS).
Ementa: CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA – INCORPORAÇÃO DA SEXTA PARTE DOS VENCIMENTOS. O art. 129 da Constituição do Estado de São Paulo expressamente concede o adicional “sexta-parte” aos servidores públicos estaduais. Assim, é devida a parcela pleiteada igualmente aos servidores públicos celetistas, já que se considera como gênero servidor público, do qual é espécie o empregado contratado pela administração direta, autarquias e fundações públicas. Recurso conhecido e provido. TST – EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECURSO DE REVISTA ED-RR 7696478720015155555 769647-87.2001.5.15.5555 (TST) Data de publicação: 05/05/2006 (GRIFOS NOSSOS).
Não foi explicito o problema prático, o que não garantia que não se tratava de ocupantes de emprego público, com vínculo contratual e, aí, nesse caso, sob a regência da CLT.
Nessa hipótese, o Mandado de Segurança Coletivo ganha relevância, até porque a questão sugere que há previsão do direito ao adicional noturno no art. 73 da CLT.
Assim, aceitar o Mandado de Segurança Coletivo como peça além de respeitar a isonomia entre os candidatos, demostra o conhecimento técnico de identificação da peça ao problema proposto.
Importante observar que no Comunicado oficial, publicado em 21 de junho de 2017, a banca se utilizou do item 5.10.1do edital de abertura do XXII Exame de Ordem que preceitua: “Eventual correção, em favor de qualquer candidato, em desacordo com o gabarito oficial da prova prático-profissional – cuja pontuação atribuída poderá ser revista até a homologação final do resultado do exame – não implicará em nenhum benefício ou direito aos demais examinandos.”
Ocorre que o Item 5 do Edital possui o nome: “DOS RECURSOS”, Em uma simples interpretação podemos constatar que este item é destinado aos recursos e aplicado nessa hipóteses, o que não foi o caso em comento. A banca aplicou Item destinado a recurso para hipótese que não havia recurso. Na realidade a hipótese de recurso estava suspensa conforme disposto no próprio comunicado.
Ademais, o art. 13, §3 do Provimento 144/11 da OAB dispõe que “É vedada a divulgação de nomes e notas de examinados não aprovados.”
CONCLUSÃO
Antes o exposto, a admissão do gabarito duplo, admitindo tanto Mandado de Injunção Coletivo, quanto Mandado de Segurança Coletivo nos parece estar mais em respeito ao Princípio da igualdade, segurança jurídica, sendo essa a forma mais efetiva de concluir o certame com a devida justiça.
É o parecer.”
Rodrigo Padilha: Professor de Direito Constitucional e Mestre em Direito Público
Marcelo Galante: Professor de Direito Constitucional Mestre em Direito Público
Baixe aqui o PDF da Ementa: URGENTE