Entrevista: Líder judaico antisionista aponta necessidade de interromper prática colonizadora em relação à Palestina
Liderança de movimento judaico em defesa da libertação palestina critica o modelo sionista ampliado pelas ocupações lideradas por Netanyahu
Em entrevista exclusiva, Shajar Goldwaser, líder Coletivo Vozes Judaicas por Libertação, aponta para a necessidade de que o estado de Israel reconheça que a prática colonialista em relação à Palestina deve ser interrompida e que a solução de dois estados pode não ser o melhor caminho, uma vez que a política de ocupação que o governo Netanyahu busca ampliar deixou cicatrizes profundas na geografia, e até mesmo na relação entre israelenses e palestinos.
Shajar nasceu em Jerusalém, cresceu na Argentina e no Brasil. É formado em Relações Internacionais, e é ativista membro da SEDQ, Global Jewish Network for Justice.
Para NINJA, Goldwaser destaca a importância de distinguir entre a idealização inicial do sionismo pelos pensadores sionistas no início do século 20 e a manifestação real dessa ideologia. De acordo com ele, o sionismo foi concebido como uma busca por segurança para os judeus, mas, na prática, transformou-se em uma colonização europeia no território árabe-palestino, resultando na destruição da cultura e tradições locais.
O coletivo destaca a intenção legítima de judeus em combater o antissemitismo e criar um lugar seguro para conviver, mas questiona se essa aspiração justifica a colonização de outro povo. Shajar explica que seu movimento busca contribuir para a descolonização dos palestinos e destaca a necessidade de separar os interesses geopolíticos dos valores judaicos.
Repúdio a Netanyahu
Recentes pesquisas indicam que a maioria da população israelense não vê mais Netanyahu como a pessoa adequada para liderar o país. Entretanto, Goldwaser ressalta a necessidade de uma mudança mais profunda na perspectiva política, destacando as limitações das eleições em Israel, onde a população palestina tem uma representação política mínima e não tem poder de influenciar significativamente as decisões.
“Fico feliz, mas há um ponto importante, que é justamente a virada de perspectiva que, por exemplo, nosso coletivo propõe. Porque quando falamos em eleições em Israel, estamos falando de eleições em que participa apenas a população do território considerado, os palestinos chamam de “Territórios de 48″, onde a maioria da população é judaica”, afirma Shajar.
Desafios e perspectivas para uma resolução justa
Sobre uma resolução justa para pôr fim ao histórico de conflitos, Goldwaser enfatiza que a solução deve ser escolhida pela população palestina. O movimento judaico não deveria buscar impor uma resolução, mas permitir que os palestinos determinem seu próprio caminho, visando uma descolonização completa.
Entrevista completa:
NINJA: O que é antissionismo?
Shajar Goldwaser: Para entender o sionismo, é muito importante fazer uma distinção entre o que é o sionismo que foi idealizado pelos pensadores sionistas lá atrás e o que é o sionismo real, o que de fato aconteceu. O sionismo foi uma ideologia que surgiu lá atrás, no início do século 20, com a intenção de buscar um espaço no qual os judeus pudessem viver em segurança e não correrem risco de extermínio.
Essa foi a ideia original. Isso foi o que motivou os judeus a colonizarem a Palestina. Isso não é necessariamente o que aconteceu; na verdade, muito pelo contrário.
O sionismo, quando se expressou de forma concreta, manifestou-se como uma colonização europeia em um território árabe, palestino, no Oriente Médio. A primeira coisa para entender o sionismo, para muitas pessoas da comunidade judaica, pode representar um movimento de autodeterminação, um movimento de libertação, um movimento de combate ao antissemitismo. Porém, do ponto de vista concreto e dos palestinos, esse movimento significa a colonização de sua terra, de seu modo de vida, a destruição de sua cultura, a destruição de suas tradições.
Então, o que procuramos trazer de inovador para o debate é tentar entender que sim, existe uma intenção por parte dos judeus de combater o antissemitismo, de buscar criar um lugar seguro para conviver no planeta, junto a todas as outras pessoas, mas que isso não deve necessariamente acontecer pagando o preço da colonização de outro povo. E como podemos não só reverter essa situação, mas também contribuir com a descolonização desse povo perante o Estado de Israel, que se demonstrou, obviamente, como um projeto político, econômico e que representa interesses geopolíticos da Europa e dos Estados Unidos, e, portanto, acaba por si só a essência do projeto, a própria judaicidade desse projeto.
O judaísmo é uma cultura que busca solidariedade, que busca se adequar a diferentes contextos, conseguiu, inclusive, participar e contribuir culturalmente, cientificamente e economicamente. Então, na verdade, nosso coletivo tem como objetivo primário ser solidário à causa palestina, ser solidário ao processo de descolonização da Palestina. Ao mesmo tempo, vemos que é importante reconhecer que talvez, lá atrás, tenha havido alguma intenção positiva por parte daquelas pessoas que saíram de suas casas porque estavam sendo perseguidas. Essas pessoas talvez não fossem mal intencionadas, mas de fato cometeram um crime, e esse crime vem se perpetuando por mais de 78 anos. Está na hora de dizer chega, pois esse crime acaba manchando o próprio judaísmo, deixando-o refém desses interesses geopolíticos de grandes potências.
NINJA: Uma pesquisa recente do Instituto Laza revelou que 73% da população não vê mais Netanyahu como a pessoa certa para liderar Israel. Outra pesquisa conduzida pelo Canal 13 de Israel mostrou que 76% dos entrevistados acreditam que Netanyahu deveria renunciar e 64% da mesma pesquisa apoiam a realização de eleições imediatamente após o conflito. Como você analisa isso?
Shajar Goldwaser: Fico feliz com essa notícia, porque de fato ele é uma pessoa abertamente racista. Ele é abertamente islamofóbico. Ele deu declarações horríveis nos últimos tempos, deixando clara sua intenção pelo extermínio do povo palestino e pela destruição total de Gaza.
Mas há um ponto importante, que é justamente a virada de perspectiva que, por exemplo, nosso coletivo propõe. Porque quando falamos em eleições em Israel, estamos falando de eleições em que participa apenas a população do território considerado, os palestinos chamam de “Territórios de 48”, onde a maioria da população é judaica. A maioria do parlamento é judaica. Nunca houve um primeiro-ministro que não fosse judeu, e há uma pequena minoria árabe, de palestinos, que habitam dentro de Israel, que tem direito a voto, mas uma mera bancada parlamentar que não consegue atuar politicamente, porque nunca é colocada nem nas coalizões de direita, nem nas coalizões de esquerda. Porém, o estado israelense legisla, ele controla uma população muito maior, que não tem a possibilidade de votar contra Netanyahu. Por exemplo, a população na Faixa de Gaza.
NINJA: Sabemos que a resolução 194 da ONU nunca foi cumprida efetivamente. Então, na visão de vocês, qual seria uma resolução justa?
Shajar Goldwaser: Um dos principais pontos do nosso coletivo é entender que uma resolução justa para esse conflito, que na verdade é uma colonização, será uma resolução escolhida pela população palestina. Não cabe a nós, judeus, decidir qual é o caminho correto a ser tomado. Afinal, a partir do momento que propomos uma resolução, mantemos a colonização dos palestinos. É muito importante dar oportunidade aos palestinos de viverem uma descolonização completa. A resolução partirá dos palestinos.
Eu vou aproveitar para fazer uma crítica ao porquê não acreditamos em um modelo de dois estados. Se for ver de fato a composição do território geográfico e ver o que de fato está acontecendo hoje na Palestina, é possível observar que não há essa possibilidade, porque o processo de colonização israelense gerou uma situação na qual está completamente misturada a população judaica e a população palestina. Segregada, mas entrelaçada. Para construir os dois estados naquilo, teria que ter uma engenharia de Estado, que nos faz perguntar qual é o real sentido de uma dessas populações estar segregada.
Confira a entrevista na íntegra: