Por Lilianna Bernartt

Darren Aronofsky sempre foi um diretor associado a mergulhos sombrios, intensos e, por vezes, insuportavelmente dolorosos. “Réquiem para um Sonho”, “Cisne Negro” e “A Baleia” são exemplos de filmes seus que carregam peso emocional e obsessão.

Por isso, Aronofsky dirigindo “Ladrões” (Caught Stealing) já começa por atiçar a curiosidade. O filme é uma adaptação do livro de Charlie Huston, de mesmo nome, que traz uma história com DNA pulp — violenta, erótica, exagerada e suja.

A trama acompanha Hank Thompson (vivido pelo queridinho de Hollywood, Austin Butler), um ex-jogador de beisebol frustrado, que tenta lidar com seus traumas e sobreviver trabalhando como bartender em Nova York. O que poderia ser apenas mais um anti-herói decadente ganha contornos de farsa quando ele aceita cuidar do gato de um vizinho punk (um ótimo Matt Smith) e, a partir daí, tudo desmorona — ou melhor, explode.

Facções criminosas variadas surgem em seu caminho — russos, porto-riquenhos, policiais corruptos, judeus ortodoxos — todos atrás de algo que Hank, ironicamente, nem sabe que possui. O resultado é um turbilhão de violência, ironia e caos que não dá trégua nem ao protagonista nem ao espectador.

Tecnicamente, Aronofsky aposta em câmera colada aos personagens, montagem acelerada e pulsante, explorando o contraste entre o banal e o grotesco em cada cena. Mas há um novo tempero: um exagero quase improvisado, que flerta com o cartunesco. É como se ele tivesse virado a chave para o deboche, criando um filme frenético e engraçado — um Aronofsky relaxado, que se diverte com o absurdo.

A trilha sonora da banda britânica Idles reforça a mise-en-scène: barulhenta, suja, punk até o osso, funcionando como um personagem à parte. Já a Nova York dos anos 1990 emerge como cenário vivo, pulsante e perigoso, intensificando a imprevisibilidade da narrativa.

O elenco de peso sustenta essa mistura de tons. Austin Butler prova que não é apenas um rostinho bonito: interpreta um homem comum empurrado para o abismo, equilibrando vulnerabilidade e fisicalidade. Regina King traz profundidade dramática, enquanto Vincent D’Onofrio e Liev Schreiber roubam a cena com uma química tão absurda que mereceriam um spin-off. Zoë Kravitz acrescenta respiro emocional, e Bad Bunny surpreende ao não destoar do caos.

O mais interessante é perceber como “Ladrões” dialoga com a própria carreira de Aronofsky. O desconforto está presente — a sensação de que tudo pode ruir a qualquer momento —, mas agora filtrado pelo sarcasmo e pelo prazer de brincar com os clichês do gênero policial. Há energia, ritmo, ironia e a satisfação de rir do colapso.

O resultado é um Aronofsky mais solto, que mostra que sabe (e quer) se divertir, ainda que mantenha sua meticulosidade cinematográfica. “Ladrões” é imprevisível, mistura brutalidade e deboche e mantém a energia nervosa típica do diretor, mas revela um lado raramente visto: o de um cineasta que, desta vez, parece se divertir tanto quanto o público.

É, possivelmente, seu filme mais irreverente — uma obra que ri do caos sem abandonar a intensidade que faz de Darren Aronofsky um dos cineastas mais autorais de sua geração.