Entre um rio amazônico e o Atlântico, a vila de Sucuriju resiste e preserva sua identidade ancestral
Sucuriju está distante 300 quilômetros da capital, Macapá, situado entre a floresta amazônica e o Oceano Atlântico.
Por Raul Mareco, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30
Sucuriju, distrito costeiro do Amapá, enfrenta isolamento e escassez de infraestrutura, mas sobrevive graças ao manejo sustentável da pesca e da produção do grude, insumo de alto valor, mesmo diante de desigualdades.
O local é referência para pesquisas científicas, além da riqueza em pescado de várias espécies de peixes (pirarucu, tucunaré, pescada amarela e gurijuba) e crustáceos (caranguejo-uçá e o camarão-rosa).
Origem e localização
Sucuriju está distante 300 quilômetros da capital, Macapá, situado entre a floresta amazônica e o Oceano Atlântico.
O distrito surgiu no início do século XX, com pescadores tradicionais provenientes de Vigia (Pará), construindo feitorias (acampamentos temporários) na foz do rio homônimo para salgar e secar o peixe, evoluindo para povoado fixo sobre palafitas décadas depois.
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o distrito tem cerca de 489 habitantes, número reduzido pelo êxodo juvenil por falta de ensino médio e oportunidades de trabalho.
O distrito é cercado pela Reserva Biológica do Lago Piratuba (Rebio Lago Piratuba), administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Sucuriju é privilegiado com uma vegetação marinha variada, como a siriúba, mangueiros, mururé e o junco. Uma vasta flora em um manguezal de extrema relevância para a vida aquática do Rio Sucuriju que abriga grande biodiversidade.
Representantes da vila teriam assento certo em discussões na COP30 sobre sustentabilidade, conservação e referência do uso sustentável do ecossistema da região.
À procura do grude perfeito
A economia local depende da pesca, com destaque para o pirarucu, capturado por arpão, prática tradicional e ancestral.
Prática tão reconhecida que está em processo de instrução para registro como Patrimônio Cultural do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além da extração do grude da gurijuba, cuja qualidade é reconhecida internacionalmente.
O grude, insumo extraído da bexiga natatória da gurijuba, pelos pescadores do Sucuriju, é vendido por valores muito abaixo do mercado global.
A ausência governamental no sentido da certificação, aliada à falta de organização cooperativa, entre outras políticas públicas ausentes, impede o acesso direto dos pescadores do povoado aos mercados premium.
Exportadores, como Hong Kong, o maior consumidor de grude do mundo, podem pagar até R$ 3.000/kg por produtos de alta qualidade, mas os pescadores do distrito recebem apenas entre R$ 15 e R$ 30/kg.
O Brasil, principalmente através do Pará, é o maior exportador mundial do produto.
Desafios ambientais e sociais
O povoado sofre com escassez de água potável e depende do sistema de dessalinização via osmose inversa automatizado, projetado para produzir 2 m³/h de água potável.
Mesmo assim, há dias em que a água, elemento básico para a vida, ainda seja o lamento dos moradores que só encontram fios de água no interior das cisternas da comunidade. E como suprir as necessidades mais básicas do ser humano?
A água do Rio Sucuriju é salobra (13.800 mg/L de Sólidos Dissolvidos Totais (SDT), acima do limite de 1.000 mg/L recomendados para o consumo).
Durante a estiagem, a distribuição pode ser limitada a cotas semanais de 100 litros por pessoa, ou aproximados 15 litros/dia. O que chega a ser revoltante.
A pororoca: seres com “vida” no nome, morrem pelo ecossistema
A pororoca, que significa “grande estrondo” em tupi-guarani, ocorre duas vezes ao dia, durante as marés de sizígia (luas nova e cheia).
É um fenômeno onde o encontro das águas oceânicas com as correntes fluviais cria ondas que podem atingir até 6 metros de altura.
É um atrativo ecoturístico que poderia ser massificado, que ainda não é tão conhecido fora da região, mas os próprios moradores, principalmente os mais jovens, constroem canoas adaptadas como pranchas de surf.
Então, desafiam ondas em um tom de marrom que contrasta com o tom azul do Atlântico um pouco mais acolá do que quando chega no rio feito efeito borboleta.
As águas-vivas (medusas) são um elemento notável e paradoxal da dinâmica natural no distrito de Sucuriju, sendo diretamente afetadas pelo fenômeno da pororoca.
Elas encalham às centenas, mortas, às margens do Rio Sucuriju durante o evento natural.
A turbulência extrema, gerada pela onda de maré, como um “liquidificador gigante”, submete os organismos a forças mecânicas devastadoras.
As águas-vivas são compostas por colágeno, uma proteína estrutural que lhes confere compactação e resistência.
Após sua morte, seus corpos servem como fonte de nutrientes para o ecossistema, alimentando microrganismos que liberam substâncias essenciais para o fitoplâncton, base da cadeia alimentar aquática.
No céu arco-íris do Sucuriju
A avifauna é diversificada e abundante naquelas paragens, sendo um indicador biológico de qualidade ambiental.
Inclui garças, colhereiros e guarás vermelhos que utilizam os manguezais como áreas de alimentação e nidificação (construção de ninhos).
As aves ainda têm um tempinho para presentear, com suas seletas cores, os céus da comunidade em branco, rosa e vermelho, num espetáculo artístico que raramente se vê.
A Rebio do Lago Piratuba também é lar de mamíferos aquáticos como a esperta e esbelta ariranha e o rei das águas doces, o peixe-boi-da-Amazônia.
As guaribas, que fazem um balé nas árvores, com suas caudas preênseis de galho em galho, fazem seus “voos” exibindo suas pelagens ruivas.
Estas espécies vêm sendo pesquisadas, desde 2016, pelo professor Renato Hilário, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), quando se descobriu que a espécie está em risco de extinção.
As robustas e sociáveis capivaras também arrancam sorrisos com seus passeios diários, além do maior felino do continente americano, a onça, ser e ter a sua beleza peculiar apreciada um “pouco” mais de longe. Compreensível.
Contribuição para a COP30
O distrito exemplifica soluções práticas de sociobioeconomia e integração entre conservação ambiental e desenvolvimento local. Destaque para o uso inovador de energias renováveis e o protagonismo das comunidades tradicionais como modelo para políticas públicas de resiliência amazônica.
O povo do Sucuriju ilustra a importância do conhecimento tradicional e da inovação para superar desafios em áreas remotas.
A comunidade pode inspirar encaminhamentos de justiça social, certificação e inclusão produtiva capazes de transformar realidades, tornando-se exemplo para o futuro da Amazônia e para conferências mundiais como a COP30.



