Por Davi Maia

Por mais de uma década, o Deekapz — duo formado por Paulo Vitor e Matheus Henrique – vem sendo presença constante nas pistas, nos estúdios e nas colaborações que atravessam rap, funk e música eletrônica. Depois de mixtapes, EPs e produções para artistas como BK’, Baco Exu do Blues, Rubel e Pabllo Vittar, eles chegam agora ao primeiro álbum de estúdio.

A estreia chega em frequência própria: feita de colagens, feats de peso e uma narrativa pensada como uma estação de rádio. O projeto reúne nomes consolidados como Criolo, DJ Marky e Fat Family a artistas de uma nova geração, como Tuyo, Luccas Carlos, Urias, Nill, Gab Ferreira e Clara Lima ao longo de 14 faixas, transmitindo uma ideia clara: a música eletrônica é parte da cultura popular, periférica e preta.

“A gente adotou a estética da rádio porque ela esteve presente na nossa vida desde sempre. Foi parte da nossa formação musical e está na vida de todo mundo. E, como o Paulo sempre pontua, o rádio tem esse caráter democrático”, resume Matheus.

O conceito da rádio não surgiu à toa. Para Paulo, há uma conexão direta entre memória afetiva e a pluralidade do duo:

“A rádio foi nosso primeiro acesso à música. Tinha aquela interação com o ouvinte — de ouvir uma música que te pega, sem saber o nome, e ficar na busca. Queríamos unir isso à pluralidade do nosso trabalho. Não é só funk, nem só rap, nem só eletrônico. A rádio nos permitiu mostrar essa mistura sem rótulos.”

O disco foi desenhado como um fluxo contínuo, acompanhando o ritmo de um dia. “A faixa Dance abre como se fosse alguém sintonizando a rádio de manhã. Conforme as músicas passam, o dia avança: vem a tarde, depois a noite, até chegar num clima mais eletrônico. A última faixa, Party, celebra esse sentimento de que a vida é uma festa”, explica Paulo.

Em janeiro, o Deekapz esteve presente no sucesso Diamantes, Lágrimas e Rosto Para Esquecer, de BK’, álbum que também trouxe samples de Evinha, Fat Family e Djavan. Agora, o Fat Family aparece no primeiro single de FM, ao lado de artistas como Maui e Luccas Carlos, que são familiares ao trabalho do rapper.

“Enquanto trabalhávamos no Diamantes, já estávamos no processo do nosso disco. E sem combinarmos nada, os dois trabalhos acabaram tendo participações em comum, como Fat Family e Maui. Ficamos felizes, porque são artistas que flertam muito com a sonoridade da Deekapz. É quase como se fosse um spin-off: o universo do BK e o nosso dialogando”, conta Paulo.

Seja no house, no rap ou no funk, o Deekapz nunca se limitou a um gênero. A versatilidade sonora da dupla vem junto de uma postura clara: afirmar a música eletrônica como parte da cultura popular e periférica.

“Sempre houve resistência para evitar o apagamento. Mas nos últimos anos isso se intensificou e conseguimos ocupar mais espaços: festivais, rádios, shows. É importante trazer visibilidade para artistas da comunidade e garantir que não sejamos apagados de novo”, diz Matheus.

Paulo completa: “Além da visibilidade, nosso papel é inspirar novas gerações. Mostrar que é possível dividir line-ups com grandes nomes ou colaborar com artistas que admirávamos na infância. É resistência, mas também otimismo. Acreditamos que vamos recuperar o que foi tomado. E só conseguiremos se estivermos unidos como produtores e comunidade, fazendo barulho de verdade.”

Um dos momentos mais simbólicos do álbum é a faixa Onde Anda o Meu Amor?, que faz referência ao principal sucesso do ícone da MPB, Orlandivo, e une Criolo, DJ Marky e Makoto. A música nasceu como um boombap, mas se transformou em drum’n’bass após a gravação de Criolo — e a sugestão dele de chamar Marky para a colaboração.

“Para mim, foi muito especial. O Marky sempre foi inspiração direta. Lembro dele tocando em Campinas e Hortolândia, nossa quebrada, em rolês gratuitos. Hoje temos a nossa própria festa gratuita, a 0800. Tudo se conecta”, relembra Paulo.

Além disso, ele destaca a leveza do processo: “O Criolo é muito singular no estúdio: o processo com ele é sempre fluido, nunca forçado. Essa faixa fala de um amor de feira e encaixou perfeitamente no liquid bass que o Marky domina, mais progressivo e melódico. Diferente de outra faixa nossa, Riscos, que é um drum’n’bass mais agressivo, de pista. Essa diversidade é o que torna a colaboração tão significativa.”

Ao reunir artistas de diferentes cenas, Deekapz FM funciona como um transmissor que conecta territórios e linguagens.

“Esse é nosso primeiro disco de estúdio e ter esse apoio é especial. Cada feat traz sua própria comunidade: Luccas Carlos, Tuyo, Fat Family… e nós funcionamos como ponte entre elas. Assim como o sinal de rádio, nosso papel é resistir e espalhar a palavra. Esse disco é uma representação disso”, conclui Paulo.

O resultado é um álbum que atravessa house, rap, funk, soul e drum’n’bass sem hierarquia de gêneros, reforçando o que o Deekapz já é: uma das forças mais inquietas da música preta brasileira contemporânea.