Por Hyader Epaminondas

Logo nos primeiros minutos de “Novembro”, somos lançados em uma atmosfera política sufocante. O clima nacionalista que ecoa fora das paredes contrasta com o banheiro destruído onde tudo acontece, criando um espaço claustrofóbico que prende o olhar e o fôlego.

É nesse cenário que o filme reencena a tomada do Palácio da Justiça pelo grupo guerrilheiro M-19, em 6 de novembro de 1985, transformando um episódio histórico em uma experiência sensorial. Ao expor a decomposição de uma nação em guerra consigo mesma, traduz a brutalidade política em imagens que parecem pulsar, como feridas abertas na memória coletiva.

O granulado da imagem e o tom de “gravação perdida” não são apenas recursos a esmo, mas intensificam a sensação de ruína e confinamento, e dão ênfase ao controle midiático da época, que tentou silenciar os eventos mostrados, como se o país inteiro coubesse naquele espaço de azulejos trincados e vozes tensionadas.

A direção de Thomás Corredor constrói um filme que não busca reconstruir o fato histórico da tomada do Palácio da Justiça, e sim refletir sobre o que ficou fora das câmeras: o íntimo, o vulnerável e o humano, sempre dando ênfase à reação dos personagens frente à brutalidade do Estado. No banheiro, guerrilheiros, juízes e civis convivem sob a mesma claustrofobia física e moral. Do lado de fora, o caos organizado para silenciar. Do lado de dentro, o colapso das convicções.

Há em “Novembro” uma diplomacia silenciada, fruto das estruturas do próprio Estado, que encontra na violência sua única forma de ser ouvida. O corredor expõe o impasse entre a revolta civil e o desejo de preservar um frágil bem-estar social sustentado pela desigualdade. O filme captura o vazio entre aqueles que lutam por uma democracia justa e os que preferem o conforto da cegueira, sustentando a ideia ilusória de estabilidade.

Em um dos momentos mais incômodos, o grupo precisa elaborar uma lista com os nomes “importantes” a serem mencionados em troca de uma negociação para o cessar-fogo. Uma das personagens sugere excluir quem “não é relevante”, e é nesse gesto simples que o filme revela a ferida social mais profunda: a naturalização das hierarquias de classe e o mito da igualdade cívica. Mesmo diante da morte e do caos, as estruturas de poder seguem intactas, silenciosas e dominantes.

“Novembro” é menos sobre a tomada do Palácio e mais sobre o que ela deixou preso entre as paredes do país: o medo, a apatia e o eterno dilema entre convicção e sobrevivência. Thomás Corredor faz do banheiro um microcosmo da Colômbia, e talvez de toda a América Latina, onde o silêncio é tão ensurdecedor quanto as balas e explosões que abalaram toda a estrutura do complexo.