O Brasil, mais uma vez, atravessa uma temporada devastadora de queimadas. As imagens de céu coberto por fumaça e a destruição das florestas dominam as manchetes. Enquanto comunidades locais, indígenas, ribeirinhas e de pequenos produtores sentem os impactos diretos dessa catástrofe ambiental, os grandes latifundiários do agronegócio continuam intocáveis. Mas por que, em pleno século 21, com tantos avanços em tecnologia e fiscalização, o agronegócio segue impune?

O cenário de destruição

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os focos de queimadas na Amazônia aumentaram 48% nos últimos meses em comparação ao mesmo período do ano anterior. Só em agosto, foram mais de 8 mil focos ativos de incêndio, com destaque para os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, onde grandes áreas de floresta deram lugar ao fogo. No Cerrado, outra região altamente afetada, as queimadas cresceram 60%, intensificando o impacto ambiental.

Esses números revelam que o Brasil vive uma das piores temporadas de incêndios das últimas décadas, agravada por uma combinação de seca extrema e ações humanas deliberadas.

O papel do agronegócio

Especialistas são categóricos ao afirmar que a maior parte das queimadas tem origem no desmatamento ilegal, impulsionado pela expansão desenfreada do agronegócio. Grandes latifundiários e empresários ligados ao setor utilizam o fogo como ferramenta para abrir novas áreas para plantio e pastagem, especialmente em regiões de floresta e cerrado. A prática, embora ilegal, é recorrente e conhecida pelas autoridades.

No entanto, o setor agropecuário — responsável por 27% do PIB brasileiro — exerce forte influência política, o que complica as ações de fiscalização e a responsabilização dos culpados. A expansão das áreas de cultivo, sobretudo de soja e milho, e o avanço da pecuária em áreas protegidas têm sido apontados como os principais motores do desmatamento, com o uso do fogo como método barato e eficiente de limpeza de terra.

Impunidade e falhas na fiscalização

A estrutura de fiscalização no Brasil tem sido incapaz de conter esse avanço. Órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) enfrentam cortes orçamentários e limitações na sua capacidade de atuação.

Além disso, muitos dos responsáveis pelas queimadas conseguem escapar da responsabilização jurídica. A lentidão dos processos judiciais e a falta de prioridade na punição aos crimes ambientais fazem com que a impunidade prevaleça. Latifundiários que financiam a destruição ambiental frequentemente recorrem ao poder econômico e a conexões políticas para proteger seus interesses.

O impacto global

As queimadas não apenas devastam o meio ambiente local, mas também têm repercussões globais. O Brasil, por abrigar a maior parte da floresta amazônica — considerada o “pulmão do mundo” —, desempenha um papel vital na regulação do clima global. Com o avanço das queimadas, o Brasil se aproxima cada vez mais do chamado “ponto de inflexão”, em que a Amazônia deixaria de ser uma floresta tropical para se transformar em uma savana, liberando enormes quantidades de carbono na atmosfera e intensificando a crise climática.

Caminhos para a mudança

O governo federal anunciou recentemente a retomada de programas de combate ao desmatamento, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que havia sido desmantelado em anos anteriores. Entretanto, para que essas iniciativas tenham efeito real, é fundamental fortalecer os órgãos de fiscalização e garantir a aplicação de punições severas aos infratores.

Além disso, é necessário que haja uma mudança na cultura do agronegócio brasileiro. A adoção de práticas agrícolas sustentáveis, como o manejo agroflorestal e a recuperação de áreas degradadas, deve ser incentivada com políticas públicas robustas e incentivos financeiros. O setor agrícola pode ser altamente produtivo sem devastar o meio ambiente, e essa é uma responsabilidade que o Brasil precisa abraçar.