Empresas nacionais e até estrangeiras teriam enganado ribeirinhos da Amazônia para vender de créditos de carbono
Os projetos estariam sendo feitos na zona rural de Portel, município de tradições ribeirinhas no Pará
A Defensoria Pública do Pará entrou com ações na Justiça contra empresas que vendem créditos de carbono, alertando que três projetos estão sobrepostos a áreas de florestas públicas estaduais sem autorização do governo do Pará, o que configura fraude.
Essa denúncia, apurada pelo G1, levanta um alerta para o futuro do mercado de carbono no Brasil, que está sendo regulamentado no Congresso como uma forma de controlar as emissões de carbono do país.
Os projetos estariam sendo feitos na zona rural de Portel, município de tradições ribeirinhas localizado no arquipélago do Marajó, a 264 km de Belém, no Pará.
Os três projetos, chamados RMDLT, Pacajaí e Rio Anapu-Pacajá, foram registrados em 2020 e 2021 pela Verra, principal certificadora internacional, e vendem há anos créditos de carbono a empresas que querem compensar suas emissões de gases do efeito estufa.
Ribeirinhos enganados
Segundo as lideranças locais ouvidas pela reportagem do G1, os representantes dos projetos se valeram de um momento em que a regularização fundiária dos assentamentos ainda estava em andamento.
Nesse contexto, eles se aproximavam das famílias oferecendo o Cadastro Ambiental Rural como se fosse o equivalente ao documento de posse de terra.
O CAR é um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, e é o primeiro passo para a regularização ambiental do imóvel, além de ser requisitado para uma série de programas, benefícios e autorizações, contudo, não equivale a um documento de posse da terra.
“Então, quem chega com um documento dizendo que é um documento de terra, as famílias acabam acreditando. Dê um documento para uma família ribeirinha guardar e volte 50 anos depois que você vai encontrar” afirma Nilson Silva, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Portel.
Outros moradores denunciaram ainda que, em troca de assinarem o documento, receberam fogões como recompensa, que seriam um benefício conquistado.
“Para nós, aquilo não serve. Eu acho que eles pensaram que a gente era muito atrasado com as coisas, né? Mas a gente faz melhor que isso aqui”, disse Nilton de Oliveira, que vive nas margens do rio Anapu.
As mentiras eram inúmeras
Os moradores contam que, ao longo dos anos, grupos diferentes de pessoas apareciam nos territórios, sempre se comportando de maneira evasiva a respeito de quem representavam, como eram financiados e quais eram seus objetivos.
Os moradores da área também foram alertados de que estavam proibidos de “abrir roça”, caçar ou mexer na floresta, para ajudar na preservação do local.
“Mas eu não obedeci nada, porque se eu fosse ficar esperando aquilo, eu estava passando fome, porque eu não poderia fazer minha roça, do que eu ia viver?” questiona Marsivan Lima, da região do rio Pacajá.
Diferentemente de grandes empresas, as pessoas da comunidades cortam caminho na floresta e abrem espaços de roça o suficiente para a própria subsistência, pois dependem diretamente do que a natureza oferece, como frutas, peixes e outros animais pequenos da região.
“Eles falavam que era para preservar a floresta, para ninguém cortar, que iam fazer salário para todos os ribeirinhos para não mexer na floresta e que aí só poderia criar abelha”, relata um dos moradores.
Para onde foi o dinheiro?
Segundo Nilson Silva, as promessas que os representantes das empresas fizeram, como entrega de fogões e cestas básicas, convenceram muitas pessoas a assinarem o documento do CAR, mas, na verdade, as assinaturas eram para autorizar o projeto naquelas terras.
Em tese, projetos de crédito de carbono deveriam beneficiar as comunidades que vivem nas áreas das iniciativas, mas não foi o que ocorreu segundo apuração da Defensoria.
“Nós não somos contra projetos de crédito de carbono, mas da forma com que está sendo feito, o dinheiro está indo a gente não sabe nem para o bolso de quem”, diz Gracionice Silva, hoje presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Pacajá.
E ela complementa: “Se ainda tem floresta assim aqui, se ainda tem algum recurso natural que essas empresas precisam para estarem ganhando e faturando, somos nós os responsáveis por manter essa floresta viva”.
“Isso também é um alerta para quem compra dentro desse mercado”
Se em uma ponta da história se encontram os ribeirinhos, que por anos protegem as florestas e denunciam terem sido enganados pelas empresas, do outro lado da história estão multinacionais conhecidas mundialmente, como: Air France, Boeing, Bayer, Toshiba, Kingston, WeTransfer, dentre outras.
Contudo, essas não são o alvo das denúncias. Segundo essas empresas, os créditos comprados eram certificados e, por isso, elas alegam não ter tido conhecimento das irregularidades, até a denúncia formal da Defensoria ocorrer.
No meio das multinacionais que alegaram não saber da fraude, e os moradores da Amazônia que teriam sido enganados, estão cinco empresas brasileiras e três estrangeiras (uma americana, uma canadense e uma britânica) que estão sendo acusadas pela Defensoria de orquestrar a fraude e criar os três projetos para vender os créditos de carbono.
Entendendo o mercado
Para a venda de carbono ocorrer, as empresas submeteram projetos à certificadora Verra, a mais conhecida mundialmente por validar projetos no mercado de carbono voluntário, onde os projetos apresentados por empresas são verificados e, se cumprirem com os requisitos, são validados e assim negociados com outras empresas.
É importante que haja uma certificação dos créditos de carbono para que as empresas possam comprovar que estão emitindo de acordo com o estimado.
“Isso também é um alerta para quem compra dentro desse mercado e para quem está vendendo a ideia de proteger a Amazônia, contra as mudanças climáticas, sem efetivamente estar checando onde está a fonte dessa proteção.” afirma a defensora pública agrária Andreia Barreto, autora das ações judiciais.
Diante disso, a Verra suspendeu a compra de novos créditos nos três projetos alvos de ação da Defensoria para fazer “verificações e validações”. Ao G1, a ONG afirmou ainda exigir que cada projeto registrado em sua plataforma cumpra as leis locais e tenha engajamento com parceiros e comunidades.
*Matéria feita com informações do G1 Pará.