Empresas estrangeiras fazem lobby sobre projetos de leis e financiam a Bancada do Agro em Brasília
Em relatório investigativo, De Olho nos Ruralistas escancarou quais são as empresas que sustentam a Bancada Ruralista e o looby dessa indústria no país e, logo de cara já percebemos: o agro não é Brasil
“Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, quem nunca escutou esse bordão nas inúmeras propagandas promovidas pela indústria do agro nos diversos meios de comunicação? Com valores como modernidade, geração de emprego e renda, valorização do trabalho desde o pequeno até o grande produtor e, principalmente, engrandecer o país através da geração de riqueza e valorização de seu pessoal, a indústria do agronegócio ficou conhecida por não somente ser grande geradora do PIB do Brasil, como também por sustentar a alimentação do brasilero. Mas será que isso é verdade?
No relatório investigativo “Os Financiadores da boiada” feito pelo observatório do agronegócio no Brasil De Olho nos Ruralistas, foi divulgado quais são as empresas que sustentam a Bancada Ruralista e o lobby dessa indústria no país, e logo de cara já percebemos: o agro não é Brasil.
Não são as empresas brasileiras as que lideram a influência política do setor. Estas são, em sua maioria, multinacionais. Corporações como a sino-suíça Syngenta, campeã em reuniões oficiais com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) desde o início do governo Bolsonaro ou a alemã Bayer, cujos executivos se reuniram pelo menos 60 vezes com funcionários do Mapa entre janeiro de 2019 e abril de 2022, sem contar visitas realizadas fora da agenda oficial. Integram ainda este grupo as processadoras de grãos estadunidenses Archer Daniels Midland (ADM), Bunge e Cargill e a francesa Louis Dreyfus Company, acompanhadas da chinesa Cofco e da sul-coreana CJ Selecta.
O caminho da Bancada Ruralista até as empresas
Criado em 2011 com o propósito de prestar assessoria técnica na formulação de pautas legislativas para a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Instituto Pensar Agro (IPA) produz minutas e relatórios para os Projetos de Lei antiambientais submetidos por políticos da FPA, como os PLs do Veneno, do Licenciamento Ambiental e da Mineração em Terras Indígenas.
A estrutura do IPA é mantida por 48 associações do agronegócio, que contribuem com um valor mensal para apoiar as despesas de lobby. Esta estrutura inclui uma mansão no Lago Sul, onde os políticos da FPA recebem membros do governo e empresários durante almoços semanais, às terças. Essas associações congregam abatedouros e frigoríficos, produtores de agrotóxicos e sementes transgênicas, usinas de etanol, indústrias de cigarros, de papel e celulose, processadoras de grãos e sojicultores e cervejarias, entre outros.
Com as contribuições, o instituto organiza as demandas da cadeia agropecuária brasileira junto ao Legislativo, Executivo e Judiciário, intermediando o contato de empresas e associações com parlamentares e representantes do governo. Somando os associados de todas as entidades financiadoras, são 1.078 empresas e mais de 69 mil associados individuais entre sojicultores, pecuaristas, usineiros e algodoeiros.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, executivos do IPA e políticos da FPA se reuniram pelo menos 160 vezes com servidores do Ministério da Agricultura, incluindo 20 audiências com a ministra Tereza Cristina, ex-presidente da FPA.
As multinacionais são as líderes ocultas por trás do lobby do agronegócio: JBS, Basf, Cargill, Bayer, Syngenta, Nestlé, Bunge e LDC são afiliadas a múltiplas associações, onde ocupam cargos executivos e de liderança.
Entre 2019 e 2020, grandes investidores globais aportaram mais de US$ 27 bilhões em empresas associadas ao Instituto Pensar Agro. A cifra bilionária inclui compras de ações por fundos soberanos, concessões de empréstimos e crédito por grandes bancos, renegociações de dívidas, emissões de títulos baseados nos chamados princípios ESG, entre outras operações financeiras. Com base em dados compilados pela Coalizão Florestas & Finanças, De Olho nos Ruralistas identificou os principais fundos de investimento relacionados ao ecossistema do lobby ruralista em Brasília.
No mesmo período, grupos europeus negociaram o equivalente a pouco mais de US$ 5,5 bilhões, a maior parte derivada de investidores da Espanha, França, Noruega e Reino Unido. Multado pelo governo brasileiro em 2016 por financiar produtores de soja e de milho em áreas proibidas na Amazônia, o banco Santander, membro da Abag, negociou mais de US$ 250 milhões apenas em cotas e títulos da JBS e Marfrig. Considerando outros setores, como o de celulose e soja, o banco espanhol movimentou mais de US$ 700 milhões em ações, concessão de crédito, empréstimos e repasse de títulos ESG. Já os bancos britânicos Barclays e Standard Chartered investiram quase US$ 200 milhões em operações da Cargill e da estatal chinesa Cofco no Brasil. Além destes, destaca-se a atuação do fundo de pensões governamentais da Noruega, que movimentou mais de US$ 416 milhões junto à Suzano e na processadora de grãos ADM. Fundos similares, da vizinha Suécia, também negociaram com Bunge e JBS. O AP7 e KLP são os mesmos fundos que, em maio de 2021, assinaram uma carta demandando ações imediatas contra o desmatamento na Amazônia, elaborada pelo Retail Soy Group.
Ou seja, muitos países que hoje são exemplos de economia verde, como a Noruega, líder contra a mudança climática, descarbonizou sua economia e é hoje laboratório de políticas verdes, investem e lucram seus dinheiros no lobby do agronegócio brasileiro, que se sustenta da exploração e desmatamento de áreas verdes do Brasil.
Enquanto o Agro cresce, o Brasil padece
Com 1.682 novos agrotóxicos aprovados desde o início de seu governo, Jair Bolsonaro manteve uma relação amistosa com a principal associação do setor, a CropLife Brasil. Em 6 de julho de 2021, a entidade se reuniu com o Secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), José Guilherme Tollstadius Leal, para discutir uma nova política de “autocontrole” pelas empresas do setor, isto é, os próprios produtores ficam responsáveis por supervisionar o cumprimento de normas sanitárias, reportando ao Mapa sem a necessidade de fiscalização periódica nas plantas.
Enquanto isso o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, continua em tramitação e já foi aprovado pela câmara dos deputados: o PL dá plenos poderes ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para fiscalizar, analisar e fixar prazo para a obtenção de registros no Brasil, entre outras atribuições. Nesse cenário, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Ministério da Saúde e do Meio Ambiente perdem a função histórica sobre a regulação dos agrotóxicos no Brasil. E assim, ao invés de buscar mais rigor na liberação desses produtos que fazem tão mal ao meio ambiente, que ameaçam a biodiversidade e adoecem a população, os agrotóxicos passam a ser usados para beneficiar a produtividade e a velocidade com que o agro produz, sem levar em conta as consequências a curto e a longo prazo que a comida com veneno pode ter no prato das populações.
Além desse, o conjunto de Projetos de Lei (PL) defendido pelos ruralistas inclui os PLs 2.633/20 e 510/21, da Grilagem, que concedem anistia à ocupação irregular de terras públicas até 2.500 hectares; o PL 2.159/21, que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental e os PLs 490/07 e 191/2020, que estabelecem o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a legalização da exploração minerária nestes territórios, respectivamente.
Outro fator importante do lobby de uma companhia é o chamado efeito porta-giratória: quando membros que já atuaram no governo se tornam funcionários da empresa, aproveitando o conhecimento da máquina estatal para navegar com mais facilidade. Antes de atuar junto à Bayer, Menicucci trabalhou no governo federal: foi funcionária da Apex-Brasil, agência ligada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), entre 2008 e 2014.