Empresas cometem fraude e usam terras públicas da Amazônia para vender créditos de carbono
Oito empresas, entre elas cinco brasileiras, usaram terras públicas na Amazônia para lucrar, de forma irregular, com a venda de créditos de carbono
Segundo a Defensoria Pública do Estado do Pará, oito empresas, entre elas cinco brasileiras, usaram terras públicas na Amazônia para lucrar, de forma irregular, com a venda de créditos de carbono. O órgão entrou com três ações civis públicas na Vara Agrária de Castanhal contra os envolvidos em projetos localizados na área rural de Portel, cidade a 263 km de Belém, no Pará.
Além de ignorar as autoridades estaduais, as empresas também não consultaram as comunidades ribeirinhas que vivem em assentamentos agroextrativistas na região.
Para a Defensoria Pública, trata-se de grilagem de terras públicas, já que as empresas responsáveis pelos projetos se valeram de matrículas imobiliárias e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos para alegar a maior certificadora internacional de crédito de carbono, a Verra, que as áreas eram de propriedade privada.
Por isso, as multinacionais não são alvo das ações da Defensoria Pública. Os processos são contra as empresas que geraram os créditos de carbono que foram comprados pelas empresas estrangeiras.
Por dentro do mercado de carbono
Para entender melhor a situação, é necessário primeiro entender como funciona a venda de créditos de carbono.
O mercado de carbono surgiu durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1997. Por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono.
Este crédito pode ser negociado no mercado internacional. De modo geral os créditos de carbono funcionam como um tipo de licença que o país ou a empresa obtém para poder liberar certo volume de gás de efeito estufa na atmosfera.
Se ultrapassarem esse limite, é possível comprar a cota de outro que não excedeu o limite definido. Projetos de redução do desmatamento geram créditos por evitarem as emissões que seriam causadas em caso de derrubada da floresta.
Quando a floresta é desmatada, o carbono armazenado nas plantas, árvores e no solo é liberado para a atmosfera. Preservada, a floresta também absorve carbono por meio do processo de fotossíntese das plantas.
Enquanto isso, no Brasil, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou hoje (04), o projeto de lei que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) — conhecido como PL do mercado de carbono.
Diante da aprovação, a senadora Tereza Cristina, do PP do Mato Grosso do Sul, afirmou que “a FPA e a bancada do agronegócio está muito confortável na aprovação do seu relatório. O agro é o grande vendedor, nós vamos ser os grandes fornecedores de créditos de carbono.”
Tereza é ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida como Bancada do Agro, que compõe o lobby mais poderoso do Congresso e controla metade da Câmara e do Senado.
A Grilagem do carbono
Ribeirinhos ouvidos pelo g1 explicaram que representantes das empresas responsáveis pelos projetos nunca foram transparentes, sem sequer citar que eles gerariam créditos de carbono que poderiam beneficiar as comunidades.
“Um dos questionamentos que fazíamos era sobre quem financiava o projeto. E eles [representantes das empresas] não quiseram dizer. Também não disseram quem era o coordenador, o dono da empresa. Só diziam ser uma ONG”, conta Gracionice Silva, hoje presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Pacajá.
Na zona rural de Portel, três projetos foram registrados e validados pela Verra. Segundo a documentação, eles estavam em terras privadas. Mas não é isso que mostra o cruzamento de coordenadas geográficas.
Entre as centenas de compradoras de créditos desses projetos, estão empresas mundialmente conhecidas, como Air France, Boeing, Braskem, Toshiba, Samsung UK, Kingston, Barilla, as farmacêuticas Bayer e Takeda, além do Liverpool, clube de futebol da Inglaterra.
Ainda de acordo com o G1, nas ações, a Defensoria pede que:
- seja assegurado o direito ao território das comunidades dos cinco assentamentos estaduais;
- seja reconhecida a invalidade dos projetos de crédito de carbono e todos os negócios deles decorrentes;
- seja impedida a entrada dos responsáveis pelos projetos nos assentamentos;
- seja paga indenização moral por danos coletivos no valor de R$5 milhões por ação judicial.
Procurada pelo G1, a Verra afirmou que está colaborando com a Defensoria e revisando as iniciativas. Contudo, a Verra afirma ainda que os projetos registrados passam por verificações e validações conduzidas por terceiros, e que as auditorias costumam ser feitas por contratadas do próprio proponente do projeto.
À reportagem, as multinacionais que compraram os créditos alegaram que não tinham conhecimento das irregularidades apontadas pela Defensoria. Já o time de futebol inglês não respondeu.
“Isso também é um alerta para quem compra dentro desse mercado e para quem está vendendo a ideia de proteger a Amazônia, contra as mudanças climáticas, sem efetivamente estar checando onde está a fonte dessa proteção” disse a defensora pública Andrea Barreto, autora das ações judiciais, ao G1.