Empresários ‘sustentáveis’ lideram doações para campanha de Ricardo Salles
Ex-ministro do Meio Ambiente também foi financiado por donos de construtoras que beneficiou; herdeiro do grupo Votorantim e dono da Localiza
Pedro Rocha Franco, da Repórter Brasil
Como ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP) deixou como legado taxas recordes de desmatamento e queimadas históricas na Amazônia e no Pantanal. Mas isso não o impediu de se eleger deputado federal com polpudas doações de empresários ligados a firmas que, ao menos no papel, defendem a preservação ambiental.
O ex-ministro teve apoio de 56 doadores e arrecadou R$ 2,4 milhões na campanha, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consultados pela Repórter Brasil na quarta-feira (19) – o prazo final para prestação de contas é 1º de novembro.
A lista de doações é encabeçada por Marcos Ermírio de Moraes, herdeiro do grupo Votorantim, e José Salim Mattar Junior, fundador da Localiza, que doaram R$ 250 mil cada um e respondem, juntos, por 20% da arrecadação. Ambos ficam atrás apenas do PL, que destinou R$ 550 mil do fundo partidário.
A Votorantim – que atua nos setores de alumínio, energia renovável, financeiro, entre outros – é signatária do Pacto Global da ONU, compromisso que inclui boas práticas voltadas ao meio ambiente e aos direitos humanos. A multinacional integra também a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, movimento com mais de 300 empresas e ONGs para combater as mudanças climáticas, o desmatamento e a exploração ilegal de madeira. Além disso, tem em seu portfólio uma companhia com negócios baseados na natureza para “mostrar o valor da floresta em pé”.
Já a Localiza – que é a maior locadora de veículos do Brasil, com 270 mil automóveis – tem um projeto voltado para a neutralização das emissões de carbono de sua frota. Apesar do lucro recorde de R$ 2 bilhões em 2021, parte do plano verde da companhia é arcado pelos clientes, que decidem se vão pagar ou não uma taxa extra para reduzir sua pegada de carbono. “A inclusão da quilometragem dos clientes do nosso inventário de gases de efeito estufa reflete a maturidade da Localiza no avanço de sua agenda climática”, destaca a empresa em seu Relatório de Sustentabilidade de 2021.
Procurada pela Repórter Brasil, a Localiza disse que Salim Mattar se desligou em 2018 do cargo de presidente do conselho de administração, embora ainda possua vínculo com a firma, e que suas ações são pessoais e estão de acordo com a lei. “[A empresa é] apartidária e de alta governança corporativa”, diz, em nota.
Já a Votorantim disse que, “embora membro integrante da família controladora, [Marcos Ermírio de Moraes] não possui nenhum cargo, tampouco participa, direta ou indiretamente, dos negócios das empresas controladas pela Votorantim S.A”.
Outra empresa que se afirma preocupada com a questão ambiental é a Dexco (responsável por marcas como Deca, Hydra e Duraflor). “A imagem do Brasil está muito chamuscada. O governo não está conseguindo fazer o básico do básico em termos de proteção da Amazônia”, reconheceu o presidente da empresa, Antônio Joaquim de Oliveira, em crítica indireta ao governo Bolsonaro, durante entrevista ao jornal O Globo em 2021.
Embora a companhia destaque ao mercado que retirou mais de 330 mil toneladas de gás carbônico da atmosfera em 2021, um dos sócios do conglomerado, Helio Seibel, doou R$ 100 mil para Salles conquistar uma vaga na Câmara dos Deputados.
Já Rubens Ometto, dono da Cosan (Raízen, Rumo e Moove) – para quem é preciso controlar as queimadas na Amazônia para que “uma pedra preciosa não se transforme em um câncer” –, doou R$ 50 mil ao ex-ministro de Bolsonaro.
Em nota, a Dexco diz que a doação de Hélio Seibel é uma decisão pessoal e que isso não interfere nas “estratégias de negócio da Dexco”. Já a Cosan afirma que as doações de Rubens Ometto “seguem as regras estabelecidas pelo TSE”.
Os valores socioambientais defendidos por essas empresas diferem dos resultados obtidos por Salles como ministro do Meio Ambiente. Além das maiores taxas de desmatamento da Amazônia em 12 anos, seu período à frente da pasta foi marcado pelo enfraquecimento de órgãos como Ibama e ICMbio, centrais no combate a crimes ambientais, lembra Thais Bannwart, porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. “Ele foi efetivamente um antiministro do Meio Ambiente”, diz.
Salles ainda defendeu os interesses de garimpeiros ilegais durante os dois anos em que atuou como ministro, levando um grupo deles para reuniões em Brasília, e se empenhou para desbaratar uma carga equivalente a 6.400 caminhões de madeira ilegal apreendida pela Polícia Federal em dezembro de 2020, facilitando sua exportação irregular. Este episódio tornou Salles um investigado da PF, motivo que antecipou sua saída do ministério.
Em 2019, seu primeiro ano no governo, foram devastados 9.177 km² da Amazônia, 85% a mais que um ano antes, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso significa a retirada de 240 milhões de árvores do bioma.
A Repórter Brasil tenta contato com Salles desde o dia 10, mas não obteve retorno.
O deputado das construtoras
Apesar do apoio de grandes empresários, nenhum setor abraçou a campanha de Salles com mais empenho que o da construção civil. Dentre seus 56 doadores, 28 (50%) atuam nesse segmento e contribuíram para a campanha com doações que vão de R$ 3.935 a R$ 50 mil, totalizando R$ 374 mil. Ex-advogado de construtora, Salles beneficiou o setor no governo ao mudar regras ambientais para liberar empreendimentos em faixas de areia do litoral.
Do montante arrecadado, R$ 100 mil vieram de empresários ligados a três construtoras com negócios na Riviera de São Lourenço, bairro de alto padrão à beira-mar em Bertioga, na costa de São Paulo. Licenciado na década de 1980, o megaempreendimento inclui um condomínio fechado com mansões e prédios de luxo “pé na areia”, mas ainda não foi finalizado por conta de ações judiciais que tentam proteger o que restou da mata atlântica e da restinga – vegetação rasteira que se forma em cima de praias e dunas.
A Riviera foi idealizada pela construtora Sobloco, cujos executivos doaram R$ 30 mil para Salles. No ano passado, a empresa conseguiu derrubar uma liminar que impedia a retirada da mata nativa e, assim, dar continuidade à obra. Executivos de outras duas empresas com negócios na mesma praia – Sabel Incorporadora e Construtora R Yazbek – doaram R$ 20 mil e R$ 50 mil, respectivamente.
No Ministério do Meio Ambiente, Salles chegou a abrir a porteira para companhias interessadas em construir perto do mar, mas a boiada não passou por intervenção da Justiça. Após desfigurar e assumir o controle do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão técnico que define regras ambientais, o então ministro aprovou a revogação de duas resoluções que protegiam manguezais, restingas e o entorno de represas. Sem as normas, não haveria mais proibição para instalar empreendimentos nessas áreas.
A polêmica causou uma enxurrada de críticas de ambientalistas, e o revogaço foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), após questionamentos de partidos de oposição. Três das principais entidades de construção do país partiram em defesa do cancelamento da proteção.
“A impossibilidade de empreender na faixa de 300 metros da linha preamar máxima em todo o país põe em xeque a sobrevivência de muitas empresas”, disseram, em manifestação conjunta ao STF, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano e o Sindicato da Habitação (Secovi-SP). Sobloco, R Yazbek e Sabel Incorporadora têm representantes na atual diretoria do Secovi-SP. Apesar do apelo, o plenário do STF suspendeu as alterações defendidas por Salles, alegando que descumpriam a legislação ambiental.
Procurada, a Sobloco afirmou que os doadores ligados à empresa são “ex-colegas de escola” de Salles e que o projeto da Riviera de São Lourenço obedece à legislação vigente. “As ações do ex-ministro no recente exercício do cargo nada se relacionam com o nosso trabalho de muitos anos.” Yazbek, Sabel e Secovi-SP não comentaram.
Outro empresário ligado à construção civil que apoiou Salles foi Carlos Alberto Bueno Netto, do grupo Bueno Netto, que fez doação de R$ 25 mil. O ex-ministro foi advogado da companhia em um de seus maiores empreendimentos, o Parque Global, avaliado em mais de R$ 13 bilhões. Porém, o projeto de condomínio de luxo em São Paulo foi embargado várias vezes por problemas com licenciamento ambiental nos últimos dez anos.
Em nota, a Bueno Netto informou que o executivo fez uma doação “pessoal”, “seguindo todos os requisitos legais”. Veja na íntegra os posicionamentos das empresas.
Salles cita os obstáculos que encontrou como ministro do Meio Ambiente para justificar seu interesse em uma vaga no Congresso. “Gostaria de ter feito mais [no ministério]. Mas não foi possível por diversas razões, inclusive legais, por amarras legislativas, razão pela qual na Câmara acho que posso ajudar”, disse ele ao jornal Folha de S.Paulo, em entrevista antes do primeiro turno.
Com 640 mil votos, Salles teve a quinta maior votação do país, ou 17 vezes mais do que em 2018, quando recebeu 36,6 mil votos e não conseguiu se eleger. Salles recebeu quase três vezes mais votos do que Marina Silva (Rede-SP), ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 que foi responsável por implantar o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que reduziu em 80% a taxa de desmatamento do bioma entre 2004 e 2012.
Comparar a taxa de desmatamento dos primeiros anos do mandato de @LulaOficial e @jairbolsonaro é como comparar a inflação no inicio do governo Itamar/FHC com a do atual governo. O #PlanoReal esta para a inflação como o #PPCDAM esta para o desmatamento da Amazônia. Segue o fio. pic.twitter.com/ls1xQQ2ayd
— Tasso Azevedo (@tassoazevedo) October 17, 2022
Para Thais Bannwart, do Greenpeace Brasil, a chegada de Salles ao Congresso é mais um ato da agenda bolsonarista contra o meio ambiente. “Ele é um aliado para passar a boiada.”