Em retomada, indígenas Guarani Kaiowá são baleados no Mato Grosso do Sul
O povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, enfrenta uma longa história de violência e conflitos
Nenhum fazendeiro até agora foi preso após eles terem iniciado um confronto que deixou ao menos dez indígenas Guarani Kaiowá baleados na cidade de Douradina, no Mato Grosso do Sul. O Ministério Público Federal (MPF) está investigando a origem dos tiros ocorridos no último sábado (3), onde as vítimas foram encaminhadas ao Hospital da Vida.
De acordo com o hospital, os ferimentos são compatíveis com disparos de arma de fogo e balas de borracha. A Força Nacional foi acionada para intervir, mas afirmou que não houve disparos de arma de fogo durante a situação.
O conflito se intensificou quando produtores rurais se reuniram para retirar os indígenas de uma área conhecida como Pikyxyin e Kurupa’yty, também chamada de “Sítio Boa Esperança e Sítio Cedro”, localizada aos fundos da retomada principal dos indígenas.
Os indígenas feridos foram levados ao Hospital da Vida em Dourados, onde receberam atendimento e foram liberados. Na manhã deste domingo (4), foram ouvidos na sede do MPF em Dourados e à tarde passaram por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML).
Um boletim de ocorrência foi registrado como caso de lesão corporal e entregue à Polícia Civil. No entanto, as investigações devem ser conduzidas pela Polícia Federal.
A Defensoria Pública da União (DPU) informou que tomará medidas legais para destituir o comando da Força Nacional no estado.
Reação do governo federal
Representantes do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) visitaram o hospital e, em seguida, dirigiram-se às retomadas da Terra Indígena Lagoa Panambi para ouvir depoimentos. J.F.C, de 17 anos, E.A.G, de 20 anos, e R.H.C, de 16 anos, estavam protegendo os barracos onde mais de 30 crianças e quatro bebês estavam abrigados. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mobilizou atendimento emergencial para os feridos mais graves.
O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) denunciou nas redes sociais o ataque ao Acampamento Esperança, em Dourados (MS), na madrugada de domingo. O acampamento, que abriga cerca de 300 famílias, foi incendiado após integrantes do MST prestarem solidariedade aos Guarani Kaiowá. Testemunhas relataram a presença de cerca de dez caminhonetes e duas motocicletas durante o ataque. Representantes do MST criticaram a falta de ação das autoridades e destacaram a continuidade de sua solidariedade aos indígenas.
O Ministério dos Povos Indígenas, em conjunto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal, enviou uma equipe para prestar atendimento aos Guarani Kaiowá. A Secretaria de Saúde Indígena foi acionada para cuidar dos feridos menos graves. Eloy Terena, secretário executivo do MPI, solicitou explicações ao Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a retirada da Força Nacional e pediu a permanência do efetivo no território. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) também se pronunciou, afirmando acompanhar a escalada de violência contra os Guarani Kaiowá no estado.
Longa história de violência e conflitos
O povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, enfrenta uma longa história de violência e conflitos, intensificados nos últimos anos com a ascensão da extrema direita bolsonarista. A disputa por terras tem levado a ataques frequentes por parte de fazendeiros e jagunços. Desde a colonização no início do século 20, os Guarani Kaiowá foram forçados a deixar suas terras ancestrais e viverem em reservas menores, agravando-se nos anos 1940 com políticas federais que lotearam terras indígenas para venda a proprietários rurais, gerando um cenário de conflito permanente na região.
Nos últimos anos, a violência contra os Guarani Kaiowá se manifestou de várias formas, incluindo ataques armados, incêndios criminosos e agressões físicas. Em diversas ocasiões, como na retomada Avae’te, houve incêndios de casas de reza e ataques com armas de fogo por seguranças privados ou fazendeiros que contestam a presença indígena nas terras. Além disso, homicídios de lideranças indígenas, como Alex Lopes em 2022, Ortiz Lopes e Oswaldo Lopes, ocorrem em contextos de disputas territoriais e são marcados pela impunidade.