por Wagner França

O Povo Xukuru do Ororubá, que habita a Serra do Ororubá, em Pesqueira, Agreste de Pernambuco, protagoniza uma das mais emblemáticas histórias de resistência indígena do Brasil. Com uma trajetória marcada por lutas territoriais e políticas, os Xukuru mantêm viva uma herança ancestral que desafia o esquecimento e as estruturas coloniais ainda profundamente enraizadas na sociedade.

Nesta terça-feira, 28 de outubro de 2025, o povo volta às ruas em uma grande manifestação contra o racismo e em defesa do direito de existir. O ato denuncia a crescente onda de desinformação e as tentativas de criminalização que atingem a comunidade indígena, reforçando a urgência de uma comunicação comprometida com a verdade e o respeito à diversidade étnica. Mesmo após anos de debate público sobre o preconceito e a perseguição ao Povo Xukuru do Ororubá, o período da pré-campanha e do processo eleitoral de Pesqueira foi marcado por uma escalada de discursos de ódio e iniciativas judiciais que ultrapassaram o campo político, atingindo o cerne da dignidade coletiva e reforçando manifestações de racismo étnico.

Nos últimos meses, essa ofensiva ganhou força por meio da disseminação de notícias falsas e da manipulação deliberada de fatos. O deputado Coronel Meira e o ex-candidato Delegado Rossine tornaram-se os principais rostos dessa estratégia de desinformação. Rossine, inclusive, teve seus direitos políticos cassados pela Justiça Eleitoral em junho de 2025, após comprovação de abuso de poder econômico e político, com o uso de fake news, deepfakes e ataques pessoais veiculados pela TV Pesqueira e em grupos de WhatsApp. A tentativa de associar o Povo Xukuru à criminalidade — especialmente após a apreensão de uma plantação de maconha de 2 hectares dentro de um território de 27.555 hectares — revela o caráter político e manipulador dessas narrativas. Os Xukuru mantêm acordos formais de cooperação com a Polícia Militar de Pernambuco, o que reforça seu compromisso com a legalidade e o combate a atividades ilícitas.

A distorção desse episódio não é apenas um ataque ao prefeito, que também é cacique do Povo Xukuru, mas a todo um povo. Ignora-se que os Xukuru são responsáveis por grande parte da produção agrícola que abastece Pesqueira e região, com cultivos de banana, feijão e hortaliças baseados em práticas sustentáveis e ancestrais. O território, homologado após décadas de enfrentamento, é hoje um modelo de gestão comunitária e de preservação ambiental, reconhecido internacionalmente por instituições como o PNUD — que, em 2023, apoiou a construção de um Protocolo Comunitário Biocultural para fortalecer sua autonomia e governança territorial.

Do ponto de vista jurídico, a criminalização do Povo Xukuru do Ororubá constitui uma afronta direta ao devido processo legal e às determinações internacionais. O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2018, no caso Xukuru vs. Brasil, por falhas na demarcação do território e por omissão na proteção das lideranças. A sentença determinou a desintrusão total das terras, reparação financeira e garantias de não repetição das violações. No entanto, setores políticos e judiciais continuam a perpetuar práticas de perseguição, revelando o abismo entre as normas internacionais e a realidade vivida pelas comunidades indígenas.

Neste 28 de outubro, a manifestação do povo Xukuru nas ruas de Pesqueira materializa um grito coletivo que ecoa a memória de Xikão e o compromisso das novas gerações com a justiça e a verdade. Centenas de indígenas e apoiadores marcham para denunciar a campanha de ódio e reafirmar o direito à autodeterminação. O movimento transcende a geografia da Serra do Ororubá e se conecta a lutas globais por soberania, cultura e território.

A ofensiva de criminalização não é um episódio isolado: é a atualização de uma lógica colonial que tenta transformar lideranças populares em criminosos e a legítima defesa de um povo em “ameaça à ordem”. Mas a história já provou que a força dos Xukuru não se dobra diante da injustiça. Ela resiste enraizada na memória, na terra e no espírito de quem nunca deixou de lutar.

Sua organização social, sua identidade e sua resistência se consolidam como exemplos de uma outra forma de governar baseada na coletividade, na reciprocidade e na harmonia com a terra.

A luta do povo Xukuru é, antes de tudo, uma luta pela democracia. Apoiar essa luta é defender o direito de um povo existir plenamente em seu território, sem ser alvo de perseguições políticas ou campanhas de ódio. Cabe ao Estado brasileiro cumprir as decisões internacionais, respeitar o devido processo legal e reconhecer que os Xukuru não são apenas parte da história de Pernambuco — são protagonistas da construção de um Brasil mais justo, plural e verdadeiramente livre.

A história, implacável com os que se sustentam na mentira, há de registrar Coronel Meira e Delegado Rossine não como líderes, mas como símbolos de uma política que escolheu o ódio em lugar da verdade e o oportunismo em lugar da justiça. Ambos representam a face mais degradada de uma elite acostumada a manipular o medo para manter privilégios e silenciar as vozes que emergem do povo.

Enquanto os Xukuru constroem pontes entre passado e futuro, resgatando dignidade e soberania, Meira e Rossine se afundam no pântano da desinformação e do autoritarismo, legando às próximas gerações a imagem de quem tentou apagar uma chama ancestral e falhou. Porque a história não pertence aos que perseguem, mas aos que resistem. E o povo Xukuru resiste.